30 de novembro de 2014

Descontinuação da Ventilação Mecânica em Cuidados Paliativos - Parte 1: Reflexão

Mais uma vez, a convidada de hoje é a Bianca Orestes, que foi Fisioterapeuta Residente do Programa de Urgência e Emergência da Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP. Hoje, é Fisioterapeuta no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. 

Por Bianca Orestes.

Hoje iremos iniciar o processo de discussão e reflexão sobre um tema muito polêmico ou até mesmo desconhecido para muitos: A Extubação paliativa ou Assistida.

A discussão é recente no Brasil, por existir um despreparo para esta questão, para isso, iremos refletir sobre doenças crônicas incuráveis, princípios éticos, legais, decisão compartilhada e vida sem sofrimento nos últimos dias de vida. 
A polêmica deste assunto está presente diariamente na rotina hospitalar. De acordo com dados da OMS (2002), 33 milhões de 57 milhões de pessoas que morrem, são necessitadas de cuidados paliativos por serem acometidas por doenças crônicas incuráveis, ou seja, tendemos a vivenciar cada vez mais este quadro, pois se estima que em 2030, 15 milhões de novos casos/ano, apenas oncológicos irão necessitar de assistência paliativa.
Devemos praticar um cuidado que subestime o conforto do paciente, impondo-lhe uma longa e sofrida agonia? Podemos repensar sobre aliviar frequentemente e confortar sempre como uma conduta diária para estes pacientes? 
Colocar em pauta a Extubação Paliativa é uma forma de repensar que o cuidado paliativo não está em suas condições ideais, pois se presume que não exista o diagnóstico precoce para o cuidado paliativo, condutas de final de vida e decisão compartilhada com o paciente e familiares para uma melhor aceitação da inevitabilidade da morte.
A manutenção artificial da vida nas UTIs, como a Ventilação Mecânica, na grande maioria dos casos, em que os doentes já não apresentam mais qualquer possibilidade de cura, transformou-se na extensão sem sentido do processo de morte (Distanásia), propondo tratamentos fúteis e dolorosos para que sobrevivam à custa de um sofrimento desnecessário.
Um estudo publicado na Critical Care em 2010, realizado em 12 UTIs constatou que 81% das famílias de pacientes inconscientes e fase de final de vida, internados na UTI gostariam que os médicos discutissem a possibilidade de retirada da ventilação mecânica.  
E a ética? E os aspectos legais? Primeiramente é importante ressaltar que resoluções e atribuições legais dizem respeito à Ortotanásia (morte natural), nada tem a ver com Eutanásia (boa morte, não legalizada no Brasil) e constitui um alerta contra distanásia (adiar a morte), ou seja, não acarreta violação a nenhum dispositivo legal, não representando uma prática de qualquer conduta criminosa. Assim a Ortotanásia (não prolongar de forma sofrida) traz uma condição mais natural para o enfrentamento, principalmente familiar.
Alguns aspectos legais estão envolvidos nesse processo:
  1.  Resolução CFM nº 1.805/2006 que respalda a suspensão de tratamentos fúteis para a vida do doente em fase terminal de enfermidade incurável, com condutas aceitas pelo paciente ou seu representante legal;
  2.  Código de Ética Médica (2009) que propicia o médico realizar o cuidado paliativo apropriado para o mesmo paciente, omissão terapêutica ou interrupção do procedimento artificial que não viola o Código Penal (não matarás), que coloca esta prática fora do homicídio;
  3. Constituição Federal que assume dignidade humana em primeiro lugar e morte digna como discute o artigo da New England Jounal of Medicine (2014), que propõe morrer com dignidade nas UTIs  estão alinhadas com a retirada do suporte de vida. Além disso, temos os princípios éticos: Autonomia (paciente consente as condutas), Não maleficência (evitar o sofrimento), Beneficência (fazer o bem sem preservar a vida a qualquer custo) e Justiça (a ciência não pode evitar a morte) encaixam perfeitamente neste contexto.
Resumindo, aparelhos de suporte de vida, como a VM, são mantidos, nos casos de doenças incuráveis, não para evitar a morte, e sim para manter a vida artificialmente, sua Retirada faz parte da transição para cuidados de conforto e há uma satisfação familiar e diminuição da depressão no luto.
E a Fisioterapia? Estamos em todas as etapas. Somos profissionais, como todos os outros, que diante desta situação (Extubação Paliativa), sentimos insegurança e medo, afinal, e todo o protocolo de retirada da VM?A maioria destes pacientes não preencherá critérios e teremos que estar preparados e alinhados com a equipe e família para que sejam estabelecidos objetivos mesmo que sejam pacientes terminais.
A medicação adequada, o controle de sintomas, o local tranquilo, a preparação dos familiares e equipe é imprescindível. O resultado que temos encontrado no nosso serviço: Dignidade de morte, aparência natural, alívio do sofrimento de uma invasão (cânula orotraqueal), as aspirações intermináveis, entre outros argumentos e fatos que irão propiciar algumas vezes uma comunicação de fim de vida, um suspiro natural, qualidade de vida para a morte.
Nosso cotidiano necessitaria de um protocolo de cuidados paliativos e fim de vida, discutido, entre outros protocolos de UTI, em um artigo da Critical Care (2012), porém com o alerta da individualidade, juízo profissional e observação para os pacientes que não se adequam ao recurso.
As evidências aumentam , a revista JOURNAL OF PALLIATIVE MEDICINE, publicou um estudo coorte com 322 pacientes com indicação de retirada de ventilação mecânica, porém extubação paliativa de 159, com doenças crônicas incuráveis (Doenças pulmonares, insuficientes cardíacos Classe III ou IV, HIV, demência severa, doença hepática e renal no estágio final) e foi verificado que a maioria após suspensão do suporte de vida não ultrapassou 10 horas chegando ao máximo 165 horas de vida após extubação.  
Angustiante? Alivio para o processo de morte inevitável.
É necessária uma reflexão para realizarmos com segurança nossas condutas, afinal a maioria de nós está diariamente em hospitais. A pergunta surge sem receio: como gostaríamos de passar nossos últimos dias de vida? Há necessidade de vida vivida nos últimos dias de vida ou aumento dos dias de vida sem ser vivida? Mantenho a palavra vida inúmeras vezes, mas reflitamos no final sobre a vida sempre acompanhada da possibilidade de sua morte, com o presente luto, porém, amenizado com condutas que possibilitem o reparo da agonia e sofrimento. Vamos ao trabalho? 

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Até a próxima.

Referências:
1. Finfer SR, Vincent J-L. Dying with Dignity in the Intensive Care Unit. N Engl J Med 2014;370:2506-14.
2. Huynh TN, Walling AM, Le TX, Kleerup EC, Liu H, Wenger NS. Factors Associated with Palliative Withdraw of Mechanical Ventilation and the Time to Death after Withdraw. J Palliat Med. 2013;16(11):1368-74.
3. Chang SY, Sevransky J, Martin GS. Protocol in the management of critical illness. Critical Care. 2012;16:306.
4. Fumis R, Deheinzelin D. Respiratory support withdrawal in intensive careunits: families, physicians and nurses views ontwo hypothetical clinical scenarios. Critical Care. 2010;14:235.

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