14 de agosto de 2017

Conversa com Fisio: Luciane Guerreira, uma Fisioterapeuta que teve Fraqueza Muscular Adquirida na UTI e Síndrome Pós-UTI

Olá colegas!

Iniciamos um novo projeto, que é o Conversa com Fisio, que contará histórias de fisioterapeutas e suas jornadas.

Hoje trazemos a história incrível da Luciane Guerreira, uma fisioterapeuta, que hoje trabalha no HCor de São Paulo. Luciane teve uma internação na UTI  em um hospital da cidade de São Paulo por complicações cirúrgicas decorrentes de uma cirurgia para correção de endometriose. Ficou internada por 3 meses entre UTI e enfermaria.

Reflexões sobre Fisioterapia Hospitalar: Como foi sua experiência na UTI?

LucieneMuito difícil. A princípio fiquei em coma sem expectativa de sobrevida, quando comecei apresentar sinais de que iria acordar, fui sedada e permaneci por 45 dias. Fiquei por 2 meses e 15 dias na UTI, sendo 2 meses IOT. Tive muitas alucinações. Quando acordei a sensação era de que estava em uma prisão, além de não ter noção de tempo. Poucas pessoas me situaram que dia era e qual período do dia, só tive noção quando colocaram uma televisão na minha frente e a programação me situava, mas isso foi somente perto de ter alta da UTI.

RSFH: Você já era Fisioterapeuta quando foi acometida?

LucieneEstava no 3º ano da faculdade e quando tudo passou, voltei para os estudos e tive que estudar muitas coisas novamente. Lembrava que tinha estudado as matérias, mas não lembrava exatamente as informações. Percebi que tinha alguma alteração cognitiva quando fui fazer a minha primeira prova e terminou o tempo de fazer a prova e eu não tinha conseguido terminar de ler as perguntas. Voltar a estudar e fazer palavras cruzadas ajudou muito.

RSFH: Quais eram seus medos e angústias durante a internação?

LucieneMuitas. Quando acordei vi aquele tubo, minhas mãos restritas não tinha noção de nada. O médico me contou o que houve. Foi assustador! Olhei ao redor, procurando entender tudo, tive medo, medo de não sobreviver, de não voltar a falar, de não andar novamente.

RSFH: Quando você percebeu que estava com Fraqueza Muscular Adquirida na UTI?

Luciene: Percebi quando acordei. Tentei chamar alguém e meu braço e mãos não mexiam, achava que era por causa da anasarca, mas notei que era falta de força. Outra situação foi quando tentei comer sozinha, meu braço tremia e eu suava de tanto esforço. Cheguei a perder 20 quilos.

RSFH: Qual foi a sua experiência com a Fisioterapia e o processo de reabilitação?

LucieneÉ até estranho porque vivi várias experiências. Primeiro briguei com o ventilador, literalmente, o som do alarme não sai da minha mente até hoje, via os colegas Fisioterapeutas sempre correndo no meu leito para tentar ajustar, até que conseguiram.
Tive 2 extubações sem sucesso, mas parece que foram 3, tive claustrofobia da VNI, uma sensação horrível. Eu gostava muito da Mobilização Passiva, pois era uma sensação prazerosa, tinha vontade de pedir para não parar, mas eram poucos movimentos que faziam, acho que estavam com pressa. Só me sentaram uma vez na UTI. Com a Fisioterapia Respiratória, a vibrocompressão que é tão questionada, pra mim era um alivio, o Ambú® parecia algo grosseiro e o Fisioterapeuta não tentava coordenar o Ambú® com a minha respiração.

RSFH: E na enfermaria?

Luciene: Era atendida uma vez ao dia, acho que deveriam ter priorizado a minha reabilitação. O atendimento durava pouco. Eu não conseguia virar, não percebi uma avaliação adequada, MRC, essas coisas. 

RSFH: Com quanto tempo você ficou sentada, tomou o primeiro banho de chuveiro, comeu, ficou em pé e andou na UTI ?

LucieneNa UTI após 2 meses uma única vez na poltrona. O tão sonhado banho de chuveiro ocorreu no primeiro dia na enfermaria, após 2 meses e 15 dias de internação. Não fiquei em pé no hospital, houve uma ou duas tentativas sem sucesso, acho que desistiram, não deveriam ter feito isso. O que eu queria era pelo menos conseguir rolar no leito, mas não treinavam, me colocavam na poltrona de forma passiva. Infelizmente saí do hospital sem ficar de pé. Minha reabilitação foi em casa, com a Fisioterapeuta do home-care, o processo foi doloroso, difícil, de muita persistência e competência dela. Demorei 3 meses para voltar a andar sozinha. Com 8 meses de alta, voltei para a Faculdade, mas mesmo assim tinha medo de cair e não ter forças para me levantar, no começo não tinha nem forças de subir no ônibus. Mesmo eu conhecendo a fisioterapia cheguei a pensar que não voltaria a andar, ter força, etc.

RSFH: Ainda sente sintomas desse processo hoje?

LucieneSim, infelizmente. Claro que com menor intensidade. Até 2 anos após a alta, sentia sensação de fadiga e as alterações cognitivas. Voltei no hospital para pegar meu prontuário e queria visitar a UTI e os profissionais que cuidaram de mim, mas não consegui, tremia e fiquei com muito medo de voltar lá. Sei que são sintomas de stress pós-traumático, mas um dia eu volto. Eu cantava na minha igreja, hoje após quase 5 anos ainda não consegui voltar a cantar como antes.

RSFH: Você acha que tem uma abordagem com outro olhar com seus pacientes, por conta desse processo?

LucieneSim, sem dúvida nenhuma. Todas as vezes que vou atender e vejo a dificuldade, a insegurança e o medo deles, me vejo lá também. Consigo mostrar que é possível, que funciona, e sempre me faz pensar: O que é mais importante para o paciente e o que ele espera de tudo isso? Será que fiz o suficiente? Será que poderia fazer mais? 

RSFH: Depois da sua alta, alguém disse que você não conseguiria fazer algo?

Luciene: Sim, me disseram que teria que mudar de profissão, pois não conseguiria ser fisioterapeuta pelas condições clínicas e psicológicas. Mas eu consegui. Sofri, chorei a primeira vez que entrei na UTI ainda no estágio da faculdade, mas engoli o choro e o desespero ao ouvir os alarmes tocando. Era tudo tão vivo em mim. Uma das minhas vitórias foi agachar pela primeira vez, sem medo e sem apoio, mas isso foi quase 4 anos depois. Como prova de superação eu fiz a especialização no InCor e pensei que se eu conseguisse passar por isso, eu iria conseguir exercer a profissão. E consegui!

Luciene, estamos muito agradecidos por você ter compartilhado esse período tão difícil e doloroso pelo qual você passou. Durante a nossa conversa foi possível ver e sentir, o quanto a atuação da fisioterapia, no ambiente hospitalar e fora dele, podem repercutir na recuperação e na vida dos nossos pacientes.


Até a próxima!!!


Wesla Neves
Fisioterapeuta da Unidade Crítica Geral do Hospital Sírio-Libanês
Especialista em Fisioterapia em Terapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR
Especialização latu sensu em Fisioterapia em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP







Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa



10 de agosto de 2017

A FISIOTERAPIA NA DOENÇA DO ENXERTO CONTRA O HOSPEDEIRO

O transplante de medula óssea (TMO) é um dos principais tratamentos para algumas doenças hematológicas malignas e síndromes de falência da medula óssea, promovendo cura em cerca de 20 a 70% dos pacientes que se submetem a esse procedimento. Como a maioria dos tratamentos o TMO também possui efeitos colaterais e possíveis complicações durante e após a realização do mesmo. A doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) é uma das principais possíveis reações e complicações causadas nesse tratamento. 

A DECH é decorrente da reação das células do doador (enxerto) contra o organismo do paciente (hospedeiro). Seus sintomas podem ser locais, em um único órgão, ou podem estar disseminados, sendo comuns alterações em pele, olhos, boca, trato gastrointestinal, pulmões e articulações. Há quatro graus de acometimento da DECH, sendo esses estabelecidos de acordo com os danos dermatológicos, taxa da bilirrubina, quantidade da diarréia, e presença de algia abdominal. É atualmente a principal causa de morbimortalidade pós-transplante de medula óssea, afetando cerca de 30 a 80% dos pacientes que sobrevivem com mais de 100 dias após o TCTH alogênico, e está relacionada à piora na qualidade de vida, prejuízo funcional e ao uso contínuo de imunossupressores. De acordo com o Consenso do Instuto Nacional de Saúde Americano (NIH), já é evidente que os pacientes com DECH leve apresentam maior qualidade de vida do que aqueles com DECH moderado, e ambas as categorias possuem maior qualidade de vida do que pacientes DECH grave. Além disso, estudos mostram que a redução da capacidade funcional causada pela DECH é mais acentuada em pacientes mais velhos quando comparada aos mais novos. Autores defendem que esses dois fatores citados (qualidade de vida e capacidade funcional) devem ser consideradas pela equipe médica ao planejar a continuidade do tratamento do paciente. 

Em um estudo publicado por SA Mitchell e seus colaboradores (2010) foram avaliados os fatores que influenciam nas limitações funcionais de 100 sobreviventes após 100 dias do TMO que apresentaram DECH. As limitações funcionais foram identificadas a partir do componente físico da escala SF-36, que indicou uma média inferior nesses indivíduos (média 36,8 ± 10,7) quando comparada à média da população nos EUA (média 50). A literatura apresentada na introdução do artigo aponta que os fatores que influenciam nas limitações funcionais são idade, gênero, intensidade da imunossupressão, gravidade do DECH, tempo desde o diagnótico de DECH, comorbidades e desconforto por sintomas. Os resultados desse estudo não foram exatamente os mesmos da literatura, porém sugerem que os indivíduos com DECH moderado a severo que exigem tratamento com níveis moderados a altos de imunossupressores podem apresentar limitações funcionais significativas. Essas limitações englobam atividades como subir escadas, deambular, realizar atividades domésticas e outras atividades de esforço moderado. 

Outro estudo realizado na área, Physical function and quality of life in patients with chronic graft-versus-host-disease: A summary of preclinical and clinical studies and a call for exercise intervention trials in patients, utilizou um teste de caminhada de 2 minutos para avaliar a resposta terapêutica do DECH, mostrando que resultados piores se relacionavam com redução da qualidade de vida, da capacidade funcional, e aumento da mortalidade. Para avaliar a massa muscular foi utilizada a dinamometria manual, indicando que a mesma apresentava relação direta com a gravidade da doença. Também foram avaliados os efeitos articulares a partir das amplitudes de movimentos ativas e assistidas de MMSS e MMII, indicando mais uma vez que a maior severidade da DECH se relacionava com a piora das amplitudes. Ao final, o autor ressalta a importância de intervenções não farmacológicas como o exercício físico regular para o tratamento da doença, citando também outros benefícios já evidenciados pela literatura como a melhora da capacidade cardiorrespiratória e do VO2 pico. 
Esses mesmos autores, em outro trabalho, analisaram os efeitos do exercício físico em ratos com DECH que não estavam recebendo outras drogas, indicando redução da capacidade física menos acentuada em camundongos que seguiram um programa de exercícios físicos aeróbicos regulares (30 minutos de esteira de intensidade moderada, 5 sessões por semana) iniciado 2 dias após o transplante. É sugerido que o exercício físico regular provoca maior atividade de algumas enzimas (como a citrato sintase, participativa no ciclo de Krebs), e também se comporta como um marcador-chave da capacidade oxidativa e mitocondrial, auxiliando no processo de reciclagem celular. 
Outro estudo recente (WISKEMANN, 2015), analisou e comparou os resultados de dois tipos de intervenções não farmacológicas realizadas durante o período de 1 ano em 256 indivíduos que realizaram o transplante halogênico: exercícios físicos (exercícios de resistência, 3 a 5 vezes por semana) versus relaxamento. Ao comparar a mortalidade entre os grupos observou-se a taxa de 12 % de mortalidade no grupo de intervenção, versus 28% no grupo controle. Importante nos atentarmos ao fato de que não eram todos os 256 indivíduos que apresentaram DECH, porém o resultado permanece relevante ao lembrarmos que essa é a maior causa de mortalidade após o transplante alogênico. 
Todos os estudos analisados reforçam a falta de evidências mais concretas em humanos para afirmarmos com certeza que o exercício é somente benéfico no paciente que passa pelos efeitos degradantes da DECH. Porém, também reforçam que apesar da falta dessa evidência não há estudos mostrando que a intervenção possui malefícios. Diante disso, uma possibilidade enquanto aguardamos novos estudos na área é sermos menos específicos e buscarmos outras evidências já ais concretas da importância do exercício físico no paciente do transplante de medula óssea, ou até mesmo no paciente oncológico (há textos sobre esses dois assuntos já publicados aqui no blog). 
Muito comumente esse paciente se encontra bastante debilitado não somente fisicamente, mas também mentalmente. Afinal, vamos tentar pensar quantos momentos e situações esse paciente já passou: sintomas da doença, diagnóstico da doença, tratamento da doença e preparo para o transplante, efeitos colaterais e adversos da fase pré-transplante, realização do transplante, efeitos colaterais e adversos pós transplante, e ainda, possivelmente, uma possível DECH. Como será que esse paciente se encontra? Como será que está seu nível de tolerância de desconforto e dor para realizar fisioterapia? Quais são suas expectativas? O quão adaptado esse atendimento deve ser às condições físicas e psicológicas dele naquele momento? 

Ao passar por tudo isso pode acontecer do paciente ser fisicamente mais capaz do que ele pensa ser. De forma alguma estamos dizendo que a dor física não existe, pelo contrário – no início do texto falamos sobre quantos locais a DECH pode afetar. Mas, em função do longo período de tratamento e internações esse paciente já está bastante sensibilizado e debilitado psicologicamente. E ai entra a experiência específica do profissional de entender isso e não confundir por exemplo, com a falta de colaboração do paciente. Esse é um dos tipos de paciente mais debilitados e acompanhados de especificidades que podemos encontrar no ambiente hospitalar, e requer um atendimento totalmente adaptado e individualizado às condições apresentadas no momento, além de claro, alinharmos sempre nosso objetivos com os outros profissionais responsáveis pelo cuidado com o mesmo.



Lívia Ribeiro Zalaf
Fisioterapeuta da unidade do Transplante de Medula Óssea do Hospital Mirante (Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo)
Especialista em Fisioterapia em Oncologia pela UNIFESP (2015)
Fisioterapeuta formada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/2012)
Contato: lizalaf@gmail.com





REFERÊNCIAS

1- ALENCAR, F. S. L. TRATAMENTO DAS MANIFESTAÇÕES ORAIS DA DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO CRÔNICA: REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERAURA. Rev. Bras. Odontol. vol.73 no.2 Rio de Janeiro Abr./Jun. 2016

2- BOLOGNIA, J. L. et al. DERMATOLOGIA. Livro. 3ª edição. Sociedade Brasileira de Dermatologia.

3- LUCES, C. F. et al. PHYSICAL FUNCTION AND QUALITY OF LIFE IN PATIENTS WITH CHRONIC GRAFT-VERSUS-HOST-DISEASE: A SUMMARY OF PRECLINICAL AND CLINICAL STUDIES AND A CALL FOR EXERCISE INTERVENTION TRIALS IN PATIENTS. Bone Marrow Transplant. 2016 January ; 51(1): 13–26. doi:10.1038/bmt.2015.195

4- SA MITCHELL. DETERMINANTS OF FUNCTIONAL PERFORMANCE IN LONG-TERM SURVIVORS OF ALLOGENIC HEMATOPOIETIC STEM CELL TRANSPLANTATION WITH CHRONIC GRAFT-VERSUS-HOST DISEASE (GVHD). 2010 April ; 45(4): 762–769. doi:10.1038/bmt.2009.238.

5- SOUZA, C. V. ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL DO INSTRUMENTO ESCALA DE SINTOMAS DA DOENÇA DO ENXERTO CONTRA O HOSPEDEIRO CRÔNICA E VALIDAÇÃO EM UMA POPULAÇÃO BRASILEIRA. Tese de doutorado apresentada à Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção de título de Doutora em Ciências na área de concentração Clínica Médica. Disponível na biblioteca virtual da UNICAMP. 2016.

6- WISKEMAN, J. et al. PHYSYCAL EXERCISE TRAINING VERSUS RELAXATION IN ALLOGENIC STEM CELL TRANSPLANTATION (PETRA STUDY) – RATIONALE AND DESING OF A RANDOMIZED TRIAL TO EVALUATE A YEARLONG EXERCISE INTERVENTION ON OVERALL SURVIVAL AND SIDE-EFFECTS AFTER ALLOGENEIC STEM CELL TRANSPLANTATION. BMC Cancer 2015, 15:619

6 de agosto de 2017

Classificando a Funcionalidade do meu paciente: Functional Ambulation Categories

Olá colegas.

Um dos grandes objetivos do Fisioterapeuta no hospital, é promover o restabelecimento ou manutenção da mobilidade funcional, bem como prevenir a sua deterioração. 

Quando falamos de mobilidade funcional, temos alguns fatores importantes com Transferências, Equilíbrio estático e dinâmico, Capacidade de sentar-levantar e Capacidade de deambulação. Cada fator citado possui uma ferramenta de avaliação, para classificar, estratificar e servir de marcador de melhora e resposta do tratamento. 

Na Capacidade de deambulação, o primeiro instrumento que vem à cabeça, são os Testes de Caminhada, porém existe uma classificação que leva em consideração o nível de assistência e não somente o desempenho, como os Testes de Caminhada.

Mas aí vem uma questão: Qual o conceito de Deambulação?

Deambulação pode ser definida como a capacidade de andar pelo menos 3 metros com supervisão ou assistência física (mecânica ou de uma pessoa). 

Para classificação da Deambulação, podemos utilizar a Functional Ambulation Categories, que leva em consideração o nível de assistência e supervisão, bem como leva em consideração o terreno onde é realizada a atividade.

Para a utilização da Functional Ambulation Categories é necessário colocar algumas definições:
1- Superfície nivelada - chão com azulejo, tapete, pavimentado etc;
2- Superfície não-nivelada - chão com areia, grama, lama, paralelepípedo;
3- Escadas - pelo menos 7 degraus com corrimão;
4- Plano inclinado - pelo menos 30% de angulação;
5- Supervisão - necessidade de contato manual ou pessoa próxima para segurança. Inclui o auxílio de julgamento sobre a capacidade de realização da atividade ou dicas de como realizar a tarefa;
6- Assistência Nível I - contato manual contínuo de uma pessoa para ajuste de equilíbrio ou coordenação;
7- Assistência Nível II - contato manual para manutenção da postura em pé ou manutenção do equilíbrio.  


A classificação da Functional Ambulation Categories (FAC) vai de 1 a 6, onde 1 é Incapacidade de deambulação e 6 a Deambulação independente:

FAC 1- Não-funcional: incapaz de deambular / marcha somente em barras paralelas

FAC 2- Dependente: assistência nível II 

FAC 3- Dependente: assistência nível I

FAC 4- Dependente: supervisão

FAC 5- Independente: superfície nivelada / supervisão para escadas e plano inclinado

FAC 6- Independente: superfície nivelada e não-nivelada / escadas e plano inclinado sem supervisão

Acredito que seja uma ferramenta muito interessante, apesar de não ser validada para todos os perfis de pacientes hospitalizados, e vai auxiliar muito como indicador de nível de assistência e prescrição/liberação de deambulação com acompanhantes, indicador de qualidade assistencial (acompanhamento pré-pós), bem como para auxiliar no dimensionamento e planejamento das escalas dos Fisioterapeutas. Temos que lembrar que a FAC não leva em consideração a distância percorrida nem a velocidade da marcha, que são fatores primordiais no planejamento terapêutico e prescrição de exercício.

Até a próxima!!!

Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa





Referência:
1- Holden, M. K., Gill K.M., et al. Clinical gait assessment in the neurologically impaired. Reliability and meaningfulness. Phys Ther. 1984 64(1): 35-40.




31 de julho de 2017

Dor em procedimentos de Fisioterapia em Terapia Intensiva: o que podemos fazer?

Olá colegas, é estimado que 50-70% dos pacientes que estão internados em unidades de terapia intensiva, sofrem experiências dolorosas ao menos uma vez ao dia, essas más experiências podem levar a maiores índices de síndrome do estresse pós-traumático, dor crônica e pior qualidade de vida. 

Particularmente os paciente em ventilação mecânica além de serem mais expostos a procedimentos traumáticos como sondagens e aspiração das vias aéreas, ainda com um fator agravante, já que a comunicação está momentaneamente prejudicada.

Dentre procedimentos como aspiração de vias aéreas e mobilização com transferência, como se comporta o nível de dor de pacientes em UTI?

O estudo espanhol Evaluation of pain during mobilization and endotracheal aspiration in critical patients avaliou o nível de dor (pela escala Behavioral Pain Scale-BPS) e sinais vitais em 70 pacientes internados em uma UTI. Os procedimentos estudados foram Aspiração de vias aéreas e Mobilização com transferência.

A escala BPS avalia 3 ítens: Expressão Facial, Movimento dos MMSS e Adptação à VM. Cada ítem possui 4 pontuações (1-4), com escore máximo de 12 (Dor intensa). É considerada Dor com escore acima de 3 e Dor significativa com escore acima de 5. Essa escala já é traduzida e adaptada para o português brasileiro.

Foi observado que 94% dos 146 procedimentos realizados tiveram um escore BPS médio de 6 (Dor significativa). Importante ressaltar que 90% dos pacientes eram pós-cirúrgicos, mas o RASS era -3, -4, com Morfina como a droga analgésica mais utilizada e Propofol a sedação mais utilizada.

BPS e Sinais vitais aumentaram nos procedimentos, porém somente a BPS teve aumento significativo.

Outro resultado importante foi que quando foi realizada analgesia preemptiva, o nível de dor foi menos reconhecido. Quando atuava em terapia intensiva, eu já tinha um acordo com a equipe multiprofissional de que quando eu ia mobilizar e se fosse necessária a aspiração de vias aéreas, era realizado sempre um bolus de analgesia, com o intuito de se minimizar o sofrimento. 

Hoje, quando vou deambular com meus pacientes pós-cirúrgicos, solicito a realização de analgesia, já que não temos disponível PCA.

Sempre devemos utilizar nosso conhecimento para minimizar o sofrimento dos nossos pacientes.

Até a próxima!!!


Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa





Referência:

1- Robleda G, Roche-Campo F, Membrilla-Martínez L, Fernández-Lucio A, Villamor-Vázquez M, Merten A, Gich I, Mancebo J, Català-Puigbó E, Baños JE. Evaluation of pain during mobilization and endotracheal aspiration in critical patients. Med Intensiva. 2016 Mar;40(2):96-104. doi: 10.1016/j.medin.2015.03.004. Epub 2015 May 23.

26 de julho de 2017

Titulação automática de oxigênio na unidade de emergência

Olá colegas!!!

A hipoxemia é um sinal frequente em pacientes com exacerbação de DPOC. No post Oxigenoterapia nas Unidades de Emergência em pacientes com DPOC: as recomendações são respeitadas?, comentamos sobre como as recomendações para a administração de oxigênio, para esse perfil de paciente, nem sempre são levadas em consideração. Uma adequada titulação de oxigênio, além de garantir segurança na terapia, reduz custos hospitalares. 

Baseado em um sistema de alça fechada, o FreeO2 é um equipamento que monitora, oferta e ajusta O2 de acordo com a SpO2 de forma automática, com fluxo máximo de 20 L/min.

No post Titulação automática de Oxigenoterapia em pacientes com DPOC, discutimos que a utilização da titulação automática de O2 em pacientes com DPOC, diminui o tempo de desmame, utiliza menor quantidade e reduz o tempo de internação.

Mas e numa unidade de emergência?

O estudo Automatic versus manual oxygen administration in the emergency department foi um ensaio clínico randomizado com 187 pacientes. Foi comparado o método automático com o FreeO2 com o ajuste de O2 de forma manual.

Os pacientes deveriam utilizar pelo menos 3 L/min. Eles foram estratificados de acordo com a PaCO2. A meta de oxigenação dos pacientes hipoxêmicos era 92-96% e dos hipercápnicos de 88-92%.

Foi demonstrado que a Titulação Automática foi capaz de manter a oxigenação mais tempo dentro da meta (81% vs 51% do tempo p<0.001) e o Tempo de Hiperóxia e Hipoxemia foi menor (4% vs 22% p<0.001 e 3% vs 5% p=0.04 respectivamente). No final do período de 3 horas, 14% dos pacientes submetidos a Titulação Automática estavam desmamados, contra apenas 4,3% (p<0.001). O tempo de internação também foi menor (5,6 dias vs 7,1 dias p=0.002).

Parece ser um instrumento promissor.

Até a próxima!!!


Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa
 





Referência:

1- L’Her E, Dias P, Gouillou M, et al. Automatic versus manual oxygen administration in the emergency department. Eur Respir J 2017; 50: 1602552 [https://doi.org/10.1183/13993003.02552-2016].

24 de julho de 2017

Estimar a pressão do cuff com seringa possui acurácia?

Olá colegas, no post Estimar a pressão de cuff pela palpação possui acurácia? discutimos estudos que demonstraram que a palpação não deve ser utilizada como medida para estimar uma pressão de cuff do tubo orotraqueal adequada.

Além da palpação, ainda é muito utilizado o método da seringa ou Técnica de Alívio. Tal técnica utiliza-se de uma seringa de 20mL e consiste em insuflar 15mL de ar dentro do balonete. A distensão traqueal provocada pela insuflação do ar gera uma força de resistência contrária, que atua sobre o cuff, a qual é transmitida para o êmbolo da seringa, deslocando-o em sentido contrário da aplicação. Quando o êmbolo da seringa para de se deslocar, acredita-se que a pressão da parede traqueal se iguale à do cuff, permanecendo em níveis seguros.

Mas essa técnica é segura ou possui acurácia na estimativa da pressão do cuff?

O estudo brasileiro Ineficácia da técnica de alívio de pressão por meio de válvula em insuflar o cuff responde bem essa pergunta.

O estudo foi dividido em duas fases. Na Fase 1, um TOT foi introduzido em um modelo de traquéia e o cuff foi insuflado por seringas de 10mL e 20mL utilizando a Técnica de Alívio, após o pausa do êmbolo, a pressão de cuff foi medida com um Cuffômetro. Na Fase 2, a mesma técnica foi realizada em 20 pacientes em ventilação mecânica, utilizando seringas de 5mL, 10mL e 20mL.

Ficou demonstrado que as pressões de cuff estavam acima do recomendado em todas as situações. Com a seringa de 5 mL a pressão média encontrada foi de 105 cmH2O, com a de 10mL a pressão média encontrada foi 69 cmH2O e com a seringa de 20mL, 45 cmH2O, valores bem acima do recomendado.

Portanto, além de não medir a pressão do cuff com a palpação, também não devemos medir utilizando seringas.

Até a próxima!!!

Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa




Referência:
1Annoni R, Pires-Neto RC. Ineffectiveness of using the pressure relief valve technique during cuff inflation. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2014;26(4):367-372. doi:10.5935/0103-507X.20140056.



16 de julho de 2017

Assincronia em VNI, você deveria estar se preocupando...

Olá colegas, a Ventilação Não Invasiva faz parte do nosso cotidiano clínico. Em alguns perfis específicos de pacientes, constitui tratamento de primeira linha como EAP ( Post - Temas de Fisioterapia em Urgência e Emergência: VNI no Edema Agudo Pulmonar) e DPOC (Post - Temas de Fisioterapia em Urgência e Emergência: VNI na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica ).

Apesar de amplamente utilizada e com bons resultados, a Taxa de Falha geral da terapia gira em torno de 40%. 

Dentre as potenciais causas de falha da VNI estão:
1- Má seleção do paciente (perfil da doença, gravidade do paciente)
2- Má escolha da interface
3- Má escolha do ventilador (quando disponível)
4- Mau ajuste dos parâmetros
5- Inexperiência do clínico
Destes, os itens 2, 3 e 4 estão associados a maior taxa de assincronia. De uma forma geral, não pensamos nem monitoramos eventos de assincronia em pacientes em uso de VNI. Simplesmente em muitos dos casos e principalmente nas unidades de internação, colocamos a VNI e saímos do quarto, pois temos em média 10-15 outros pacientes para atender dentro de 6 horas e isso pode induzir a uma maior taxa de assincronias.

É estimado que haja uma taxa de 43% de assincronia nos pacientes em VNI. A AARC sugere o uso do Índice de Assincronia para calcular a gravidade dos eventos:

- Índice de Assincronia = Número de Eventos/Frequência total x 100%. Um índice acima de 10% já é considerado severo. Mas o que devemos fazer para minimizar as assincronias?

- Escolha da Interface:
1- Devemos ter noção que a depender do ajuste da interface, pode haver aumento do espaço morto e consequente maior retenção de CO2. É estimado que a interface pode provocar esse aumento em até 42%.
2- Sempre ter cuidado com vazamentos adicionais, pois eles são responsáveis por Auto-disparo.
3- Escolher (se houver disponibilidade) uma boa interface. Eu, gosto muito de utilizar a Mirage  Quattro (ResMed®) e a PerforMax (Respironics®), quando eu tenho à disposição.

- Ventilador:
1- Hoje poucos são os VM de UTI que não possuem um "Modo VNI", pois a compensação de vazamento reduz bastante as taxas de assincronia. Porém eles possuem algo que alguns ventiladores de VNI não têm, que são os gráficos, que nos auxiliam no diagnóstico da assincronia. Mas em estudo de 2012, que avaliou 19 ventiladores (sendo 8 de UTI), foi demonstrado de ventiladores específicos para VNI, tiveram menor taxa de assincronia. O Bipap-V60 (Respironics®), BiPAP-Vision (Respironics®) e Stellar (ResMed®) são exemplos de ventiladores exclusivos de VNI que possuem gráficos. 
Adoro usar o Stellar, pois ele é portátil, possui bateria, posso deambular com o paciente com ele e me dá gráficos e ajustes finos para melhorar as assincronias.
2- Sempre tomar cuidado com Disparo inefetivo, que pode ser causado por Auto-PEEP ou Redução do esforço respiratório (como em doenças neuromusculares).
3- Existe disponível no mercado (não se no Brasil) o ResControl II (ResMed®), que consegue detectar automaticamente Disparos inefetivos e Duplos disparos.

- Modalidade:
1- Somos acostumados e temos praticamente disponível somente modos limitado a Pressão, mas isso tem um certa razão, pois já foi demonstrado em pequenos estudos que a utilização de um fluxo fixo gerou maior sensação de desconforto.
2- Modos avançados como NAVA e PAV são correlacionados a menor taxa de assincronia, porém são pouco disponíveis na nossa prática (ainda).
3-  Modos servo-controlados podem ser considerados, já que conseguimos manejar um volume minuto alvo.

- Umidificação: 
1- Evitar o uso de filtro HME, pois o mesmo pode gerar aumento da resistência inspiratória, do espaço morto e aumento da PaCO2.
2- Não costumamos utilizar umidificação já que muitos dos nossos pacientes ficam pouco tempo na VNI (30'-1h por período de 6 horas)

- Como reduzir as Assincronias?
1- Assincronia de Disparo
Ajustar sensibilidade que reduza auto-disparo e disparos inefetivos
Ajustar PEEP para minimizar Auto-PEEP
Minimizar vazamentos

2- Assincronia de Fluxo
Ajustar rise time (que é diferente de Tempo de Rampa, disponível em muitos ventiladores de VNI)
Minimizar vazamentos

3- Assincronia de Ciclagem 
Ajustar adequadamente o fluxo
Evitar utilização de parâmetros universais 

É sempre importante dominar a totalidade das nossas terapias, para que assim possamos dar sempre a melhor terapia. Chega de VNI com 12-8 ou 14-10 para todos.

Espero ter ajudado.

Até a próxima!!!

PS.: Declaro não haver qualquer conflito de interesse ou publicidade no post.


Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa





Referências
1- Vignaux L, Vargas F, Roeseler J, Tassaux D, Thille AW, Kossowsky MP, et al. Patient-ventilator asynchrony during non-invasive ventilation for acute respiratory failure: a multicenter study. Intensive Care Med 2009;35(5):840-6
2- Girault C, Richard JC, Chevron V, Tamion F, Pasquis P, Leroy J, et al. Comparative physiologic effects of noninvasive assist-control and pressure support ventilation in acute hypercapnic respiratory failure. Chest 1997;111(6):1639-48.
3- Kacmarek RM. Proportional assist ventilation and neurally adjusted ventilory assist. Respir Care 2011;56(2):140-148; discussion 149-52.
4- Carteaux G, Lyazidi A, Cordoba-Izquierdo A, Vignaux L, Jolliet P, Thille AW, Richard JM, Brochard L. Patient-ventilator asynchrony during noninvasive ventilation: a bench and clinical study. Chest. 2012 Aug;142(2):367-376. doi: 10.1378/chest.11-2279.
5- Hess DR. Patient-ventilator interaction during noninvasive ventilation. Respir Care. 2011 Feb;56(2):153-65; discussion 165-7. doi: 10.4187/respcare.01049.

10 de julho de 2017

Fisioterapia Oncológica Hospitalar - ATENDIMENTO FISIOTERAPÊUTICO DURANTE INFUSÃO DE MEDICAMENTOS: COMO LIDAR?

Na rotina hospitalar é bastante comum no momento em que encontramos o paciente, o mesmo estar recebendo um medicamento via endovenosa. Como muitos outros temas abordados aqui, não podemos argumentar a favor de uma forma específica de agir pois além de não ser esse o nosso objetivo, sabemos que muitas regras e condutas exigidas variam de acordo com o profissional e com a instituição. Porém, podemos e devemos refletir sobre diversos aspectos deste contexto. 

Como bons profissionais da saúde que optam por atuar baseado em evidências, fomos procurá-las sobre esse tema, e o já esperando aconteceu; não encontramos estudos relacionando o momento específico do atendimento fisioterapêutico com a infusão medicamentos endovenosos. Os estudos que relacionam o exercício físico com a quimioterapia, por exemplo, se referem ao período de tratamento quimioterápico, podendo levar até mesmo meses, e não o momento exato da infusão. Em relação à este último, não encontramos estudos dizendo que não há riscos, e nem estudos dizendo que há riscos e que devemos evitar. Porém, algo que deve ser bastante considerado é se o medicamento em infusão, (mesmo que interrompido no momento do atendimento) pode gerar efeitos colaterais que algumas vezes, a depender do medicamento e do metabolismo, podem ser acentuados com o esforço físico. Alguns quimioterápicos, por exemplo, podem gerar náusea. E ai vale a pena analisarmos caso a caso: o paciente e a equipe multiprofissional já tem conhecimento de como aquele organismo responde à esse medicamento? O paciente já está habituado a recebê-lo? Se sim, pela sua avaliação, ele tem condições clínica e físicas de iniciar o esforço físico na tentativa de realizar o atendimento? Essa é a questão mais específica que podemos refletir, e que infelizmente nos faltam estudos na área. Então agora vamos tentar analisar um pouco de outros pontos de vistas, os quais já oferecem estudos no tema. 

Nós, fisioterapeutas, não somos responsáveis pela administração de medicamentos e também isso não é da nossa competência. Por isso, provavelmente muitos de nós nunca ouviu falar sobre “cultura de segurança”. Porém, nós temos contato direto e rotineiro com a infusão do mesmo, e assim devemos ter consciência sobre essa cultura. A cultura da segurança do paciente constitui um dos grandes desafios dos cuidados de saúde do século XXI, e tem como definição: “Quando a organizações, as práticas, as equipes e os indivíduos têm uma consciência constante e ativa de que existe um potencial para que erros aconteçam. Quando são capazes de reconhecer os erros, aprender com eles, e implantar ações corretivas.” Importante lembrarmos que ao nos referirmos a um ambiente institucional, tanto os erros como os eventos adversos podem implicar em aumento do tempo de internação, custos assistenciais e muitas vezes, encargos jurídicos.

Agora, considerando a tal cultura de segurança, vamos começar pensando pelo lado do paciente. Sabemos que ao nos depararmos com essa situação, algumas vezes o paciente recusa o atendimento naquele momento até que se termine a infusão completa do medicamento. Outras vezes o paciente solicita que a infusão seja interrompida (obviamente que isso deve ser feito por um profissional capacitado - técnico de enfermagem ou enfermeiro) para realização do atendimento. Porém não são todas as medicações que podem ou devem ser interrompidas, principalmente as de alta vigilância. De acordo com a Joint Commission Resources, 2008 “Medicamentos de Alta Vigilância são medicamentos que possuem um risco maior de causar dano significante ao paciente, quando utilizados erroneamente. Não significa que existe maior ou menor probabilidade do erro acontecer, mas se este acontecer a conseqüência ao paciente é claramente mais grave.” Eletrólitos de alta concentração, insulina, heparina, sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares, quimioterápicos – esses são os principais medicamentos de alta vigilância que lidamos normalmente. Ainda, segundo o farmacêutico especializado em Oncologia, Jefferson Martins, “(...) para alguns medicamentos não é recomendada a pausa de infusão por uma série de motivos, entre eles: estabilidade e tempo de ação no organismo, podendo interferir até mesmo na efetividade terapêutica dos antibióticos.” Além da questão farmacocinética, as interrupções de medicamentos estão relacionadas com 25% das falhas das administrações dos mesmos. Agora vamos pensar juntos; se ao ocorrer uma falha com um medicamento de alta vigilância o dano oferecido ao paciente é maior e mais grave, talvez seja interessante evitarmos essa interrupção, não é mesmo? 

O fator humano é responsável por grande parte das chance de erros, frequentemente envolvendo fatores como a falta de atenção, pouca experiência, conhecimento técnico insuficiente, fadiga no ambiente de trabalho, automatização da tarefa, intimidação ou a relutância em pedir ajuda ou esclarecimentos. Sabemos que há fatores que não dependem de nós e que podem gerar erros e até danos aos pacientes. Porém, se tomarmos maiores cuidados com os fatores que nos envolvem já estaremos eliminando algumas chances de erros, certo? E ai, além dos fatores já citados acima, entram outros dois importantes fatores: a comunicação efetiva e as decisões em equipe multiprofissional. 

Estudos apontam que falhas no trabalho em equipe e na comunicação entre os profissionais de saúde tem sido um dos principais fatores que contribuem para os erros médicos, eventos adversos e, consequentemente, diminuição da qualidade dos cuidados. E comunicação efetiva não é só ter certeza de que algo foi dito. Comunicação efetiva envolve contato dos olhos, escuta ativa, confirmação da compreensão da mensagem, liderança clara, envolvimento de todos os membros da equipe, discussões saudáveis de informações pertinentes, e consciência situacional de todos. 

Pode acontecer de mesmo o medicamento sendo de alta vigilância, o paciente se sentir bastante incomodado com o equipo conectado e ao solicitar sua interrupção os outros profissionais envolvidos, como o enfermeiro, optarem por autorizar a interrupção. Também é importante falarmos um pouco sobre o nosso lado, e lembrarmos que a dinâmica hospitalar atual, pelo menos na maior parte das instituições, normalmente não nos oferece tempo suficiente para retornarmos muitas vezes ao quarto do paciente, ou para aguardarmos o término de uma infusão para iniciarmos o atendimento. E ai encontramos uma boa oportunidade para usarmos a decisão em equipe. Estudos têm demonstrado que o trabalho em equipe resulta em maior produtividade, melhoria na comunicação e tomada de decisões. Além disso, proporciona aos profissionais melhora da autoestima, bem-estar psicológico e apoio social. Assim, mais uma vez, ressaltamos novamente a importância da comunicação efetiva e da decisão em equipe multiprofissional, e aproveitamos para finalizar fazendo você refletir – como podemos planejar a dinâmica de tratamento da melhor forma e com mínimos riscos para o nosso paciente e para a equipe neste momento, e nessas condições?

Até a próxima!!!


Lívia Ribeiro Zalaf
Fisioterapeuta do Hospital Mirante (Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo)
Especialista em Oncologia (UNIFESP/2015)
Graduada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/2012)
Contato: lizalaf@gmail.com




Colaborador:
Jefferson Martins
Farmacêutico do Hospital Sírio Libanês
Especialista em Oncologia (UNIFESP/2015)
Graduado pela Universidade Mackenzie (2011)
Mestrando em Gastro Oncologia (UNIFESP, em andamento).
Contato: jsm.farmaceutico@gmail.com

Referências:

1- Aula disponível em PDF - Boas Práticas na Administra Administração de Medicamentos Medicamentos - Aline Pardo de Mello - VI Simpósio Internacional de Enfermagem, 2012.

2- NOGUEIRA, J. W. S. et al. COMUNICAÇÃO EFETIVA NO TRABALHO EM EQUIPE EM SAÚDE: DESAFIO PARA A SEGURANÇA DO PACIENTE. Cogitare Enferm. 2015 Jul/set; 20(3): 636-640

5 de julho de 2017

Retomando a capacidade funcional após a UTI, quanto tempo demora? - Resultados do The General Weakness Syndrome Therapy (GymNAST) study

Olá pessoal.

A Fraqueza muscular Adquirida na UTI gera uma grande impacto na Capacidade Funcional, Qualidade de Vida entre outros desfechos. É estimado que apenas 50% dos pacientes retornem a sua função física prévia à doença crítica, bem como esses pacientes possuem um risco maior de morrer dentro de 6 meses.

Mas quanto tempo exatamente um paciente, após a doença crítica retorna sua capacidade funcional?

Esse foi o objetivo do estudo alemão The General Weakness Syndrome Therapy (GymNAST) study.

Foram incluídos 150 pacientes (com cálculo de tamanho da amostra realizado) com FMAUTI (MRC < 48 e estudo eletroneuromiográfico), idade média de 71 anos e Tempo de internação hospitalar de 41 dias. Foram excluídos os pacientes em cuidados paliativos, pacientes com amputação ou fratura de membros inferiores, presença de doenças neuromusculares e fragilidade pronunciada prévia. 

Todos os pacientes elegíveis foram submetidos a um Programa de Reabilitação (UTI e Pós-UTI) já após o primeiro dia de admissão e tinha duração de 45' por dia, por 7 dias/semana.

Foram avaliados AVD's (Índice de Barthel), Força Muscular (MRC e Handgrip), Funcionalidade (FSS-ICU e PFIT), Velocidade de Marcha (Teste de Caminhada de 10m), Alcance FuncionalDor (EVA), Cognição (Montreal Cognitive Assessment e clock drawing test) e Capacidade Funcional (Teste de Caminhada de 6').

Os desfechos foram avaliados a cada 2 semanas até se completar 20 semanas.

Vamos aos resultados:

Foi demonstrado que 50% dos pacientes com FMAUTI retomaram a Capacidade de Deambulação 28 dias (mediana) após o início do Programa de Reabilitação. Nas primeiras duas semanas, apenas 37% dos pacientes conseguiram deambular, após a 4ª semana, 68%,  na 6ª semana 71% e após a 8ª semana, 85% dos pacientes eram capazes de deambular. A Velocidade de Marcha melhorou de 0,24 m/s para 0,35 m/s (p<0.001), o ideal é que a velocidade seja acima de 0,6 m/s.

No desfecho Força Muscular, o escore MRC de MMSS foi de 9,5/30 nas duas primeiras semanas para 12,5/30 após 8 semanas (<0.001) e o de MMII foi de 9/30 para 11/30 (<0.001). O Handgrip foi de 9,33 kgf (critério para FMAUTI) para 14,19 kgf (sem critério para FMAUTI).

No desfecho Funcionalidade o escore da FSS-ICU foi de 16/35 para 31/35 (p<0.001), já na PFIT o escore foi de 4/12 para 8/12 (p<0.001), demonstrando uma melhora na Funcionalidade desses pacientes após 8 semanas.

No desfecho AVD's houve uma melhora importante do escore do Índice de Barthel (5 para 60), já no desfecho Dor não houve diferença entre os períodos estudados (4 para 4,6 p= 0.751). O Alcance Funcional melhorou de 31 cm para 54 cm (p<0.001).

O interessante foi a melhora na Capacidade Funcional onde a Distância percorrida foi de 25,8 m para 126,3 m (p<0.001).

Em análise multivariada, ficou demonstrado que o escore FSS-ICU (HR=1.07) e o Alcance Funcional (HR=1.02foram mais sensíveis em determinar a recuperação da capacidade funcional no baseline.

Esse estudo é muito interessante pois nos dá um bom panorama de recuperação funcional de pacientes com FMAUTI. Devemos notar que houve recuperação mais pronunciada de Funcionalidade, AVD's, Capacidade Funcional e Alcance Funcional, mas não na Força Muscular e Velocidade de Caminhada. Isso nos mostra que talvez estejamos pecando na progressão de carga ou talvez os pacientes ainda não suportem esse incremento. 

Devemos ressaltar que esses são os primeiros resultados de um grande estudo do mesmo grupo.

O que acham desses resultados?

Até a próxima!!!

Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa




Referências:
1- Mehrholz J, Mückel S, Oehmichen F, Pohl M. First results about recovery of walking function in patients with intensive care unit-acquired muscle weakness from the General Weakness Syndrome Therapy (GymNAST) cohort study. BMJ Open. 2015;5(12):e008828. doi:10.1136/bmjopen-2015-008828.

2- Mehrholz J, Mückel S, Oehmichen F, Pohl M. The General Weakness Syndrome Therapy (GymNAST) study: protocol for a cohort study on recovery on walking function. BMJ Open. 2014;4(10):e006168. doi:10.1136/bmjopen-2014-006168.