29 de julho de 2016

Trabalho inspiratório e interface de VNI, o tipo importa?

Olá colegas. 

Quem trabalha em unidades hospitalares e principalmente em unidades de pronto socorro, lida diretamente com o manejo de Insuficiência Respiratória com Ventilação Não-Invasiva.

A escolha do tipo de interface a ser utilizada deveria ser tão importante como o ajuste dos parâmetros mais adequados.

Mas qual o motivo de estar abordando isso? O motivo é que a depender da interface utilizada, para certo perfil de função pulmonar, o Trabalho Respiratório (Wok-of-breathing - WOB) se comporta de forma diferente.

O estudo experimental Work of breathing using different interfaces in spontaneous positive pressure ventilation: helmet, face-mask, and endotracheal tube teve como objetivo comparar o WOB imposto pelas interfaces Máscara Facial, Helmet e a Cânula Orotraqueal, comparando também os níveis de pressão inspiratória utilizados. Foi demonstrado que a interface Máscara Facial induziu menor WOB em modelo pulmonar normal e restritivo, já o Helmet gerou menor WOB em modelo obstrutivo, em modelo misto, nenhuma das interfaces foi superior. Um dado interessante foi que o Helmet aumentou o Disparo retardado, importante causa de assincronia na VNI.

Mas mesmo com a superioridade estatística, o Helmet se torna uma opção viável? Sabemos que poucos centros possuem esse tipo de interface, seria mais um caso de Eficácia sem Efetividade? Talvez sim, mas temos que ter noção que o sucesso da terapia vai além do ajuste dos parâmetros da VNI, a interface importa sim!



Até a próxima!

Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa





Referência

1- Oda S, Otaki K, Yashima N, Kurota M, Matsushita S, Kumasaka A, Kurihara H, Kawamae K. Work of breathing using different interfaces in spontaneous positive pressure ventilation: helmet, face-mask, and endotracheal tube. J Anesth. 2016 Aug;30(4):653-62. doi: 10.1007/s00540-016-2168-3.

7 de julho de 2016

Artigo científico é teoria?

Em alguns dos textos que escrevo, tenho visto respostas como esta de forma comum: "Sinceramente , a prática as vezes difere um pouco da teoria" ou "Você está se baseando em referências (artigos científicos) e não na realidade".
Após algum tempo me questionei, Artigo científico é apenas teoria? A prática/expertise é soberana?
Teoria científica é o conjunto de conhecimentos que procura explicar, com alto grau de exatidão, fenômenos abrangentes da natureza, ou seja, é diferente do significado da palavra "teoria" utilizada no dia a dia, no senso comum, quando dizemos que algo “é apenas uma teoria”, no sentido de que é uma mera especulação ou uma realidade distante da nossa.
As artigos em saúde são publicações, baseadas no método científico, de uma realidade controlada, com intuito de se responder a uma resposta clínica. Os estudos devem controlar o ambiente, pois assim pode-se minimizar os vieses e chegar a conclusões que se assemelham da realidade.
A Prática Baseada em Evidências possui três pilares: A melhor evidência disponível + Experiência do clínico + Preferência do paciente, então, de certa forma, utilizar o raciocínio de que artigo científico é somente teoria, é equivocado. Claro que na análise da melhor evidência, temos que levar em consideração a Validade Externa dos resultados, bem como o perfil específico, análise de subgrupos e Tamanho do efeito da terapia. Mas utilizar o subterfúgio de não realizar PBE pois é teoria, me soa meio incoerente para o profissional clínico.
Mas, e quando o raciocínio vem nesse formato: "Na realidade, a tal da Prática Baseada em Evidência é uma falha!!! Quem atua diariamente atendendo, sabe que PBE NÃO FUNCIONA!!!!". Mas quando as evidências confirmam a crença, a PBE é aplaudida de pé. Usar a evidência só quando convém também se torna incoerente
Na minha opinião, o profissional clínico que pauta suas ações na PBE, além de segurança para o paciente, traz custo-efetividade em seu serviço.
Até a próxima!!!

Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa

5 de julho de 2016

Sobre Nível de Evidência e Grau de Recomendação para a prática: Crônica de conceitos ignorados?

Olá colegas.
A Fisioterapia Hospitalar está passando por um momento de solidificação muito interessante. Escalas e testes para avaliação de funcionalidade e mobilidade surgindo, sendo validadas e utilizadas, preocupação com prescrição e dose terapêutica, cuidado com indicadores de qualidade assistencial e reconhecimento (ainda que engatinhando) das nossas competências.
Grande parte desse movimento, é baseado nas evidências científicas, e prática baseada em evidência é sinônimo de terapia segura e bem indicada.
Mas qual o motivo de ainda vermos terapias com ineficácia demonstrada ainda no nosso cotidiano?
Quando estava na graduação, muito escutei: "Ausência de evidências não significa evidência de ausência (de efeito)". E isso ainda continua sendo repetido, mas de uma forma diferente. Notei que existe uma confusão entre os termos Nível de Evidência e Grau de Recomendação, ou até mesmo pessoas que afirmam que são sinônimos.
O Nível de Evidência está relacionado diretamente aos estudos. Resultados de Ensaios Clínicos Randomizados que seguem o modelo CONSORT, com Intervalo de Confiança estreito e Relevância clínica, bem como Revisões Sistemáticas com Metanálises, constituem níveis de evidência alto.
Já o Grau de Recomendação, utiliza o nível de evidência, mas fazendo análise sobre conceitos como Eficácia, Eficiência e Efetividade. Mas vamos aos exemplos.
A Inspirometria de Incentivo, que faz parte da imensa maioria de protocolos hospitalares para prevenção de complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgias cardio-torácicas e abdominais. Essa técnica possui um ALTO Nível de Evidência, já que possui uma Revisão Sistemática com Metanálise (inclusive com uma atualização recente), mas possui um BAIXO Grau de Recomendação, já que essa mesma Revisão, traz a Ineficácia, quando comparado a outras terapias como Ventilação Não Invasiva, e nesse perfil de pacientes. Essa técnica até possui evidências (de baixa qualidade) de melhora de desfechos como aumento da oxigenação, volume corrente e expansibilidade visível de tórax, mas não, contra prevenção de complicações pulmonares.
Mas mesmo assim, ainda é baixo o grau de recomendação?
Sim, devemos analisar como o desfecho que utilizamos interfere na custo-efetividade da terapia. Nesse caso, o desfecho mais interessante são as complicações pulmonares (Atelectasia, Pneumonia e Hipoxemia). Devemos lembrar que esses desfechos aumentam o custo de internação hospitalar, já que predispõem a utilização de mais doses de antibióticos, exames diagnósticos, aumento do tempo de internação e uso de terapias adicionais, ou seja, se a Inspirometria de Incentivo, não possui efeito nesses desfechos, seu Grau de Recomendação é Baixo, então devemos considerar, digo, considerar não praticá-la para esse perfil específico de pacientes. Além disso Expansibilidade visível de tórax não é critério de melhora nem de alta hospitalar...
Outro exemplo é VNI em pacientes com Edema Agudo de Pulmão. Essa terapia possui ALTO Nível de Evidência de eficácia para Taxa de Intubação e Mortalidade Hospitalar através de Revisões Sistemáticas com Metanálise e ALTO Grau de Recomendação, já que possui custo-efetividade e o seu uso reduz em 53% a Taxa de IOT e em 60% a Mortalidade Hospitalar. É estimada uma economia de 3,787 euros por paciente durante uma internação quando se usa a VNI em pacientes com esse perfil.
Nós temos o dever analisar as evidências e os graus de recomendações e sempre eleger a terapia mais indicada, com melhor nível de evidência para aquele perfil de paciente, que o terapeuta tenha familiaridade e que respeite a preferência do paciente.
Até a próxima!!!
Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa


Referências:
1- do Nascimento Junior P, Módolo NSP, Andrade S, Guimarães MMF, Braz LG, El Dib Rdo Nascimento Junior P, Módolo NSP, Andrade S, Guimarães MMF, Braz LG, El Dib R. Incentive spirometry for prevention of postoperative pulmonary complications in upper abdominal surgery. Cochrane Database of Systematic Reviews 2014, Issue 2. Art. No.: CD006058.DOI: 10.1002/14651858.CD006058.pub3.
2- Barbas CSV, Ísola AM, Farias AM de C, et al. Brazilian recommendations of mechanical ventilation 2013. Part I. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2014;26(2):89-121. doi:10.5935/0103-507X.20140017.
3- Vital FMR, Ladeira MT, Atallah ÁN.Non-invasive positive pressure ventilation (CPAP or bilevel NPPV) for cardiogenic pulmonary oedema.Cochrane Database of Systematic Reviews 2013, Issue 5. Art. No.: CD005351.DOI: 10.1002/14651858.CD005351.pub3.
4- Dieperink W, Jaarsma T, van der Horst IC, Nieuwland W, Vermeulen KM, Rosman H, et al. Boussignac continuous positive airway pressure for the management of acute cardiogenic pulmonary edema: prospective study with a retrospective control group. BMC Cardiovasc Disord. 2007 Dec 20;7:40.