14 de agosto de 2017

Conversa com Fisio: Luciane Guerreira, uma Fisioterapeuta que teve Fraqueza Muscular Adquirida na UTI e Síndrome Pós-UTI

Olá colegas!

Iniciamos um novo projeto, que é o Conversa com Fisio, que contará histórias de fisioterapeutas e suas jornadas.

Hoje trazemos a história incrível da Luciane Guerreira, uma fisioterapeuta, que hoje trabalha no HCor de São Paulo. Luciane teve uma internação na UTI  em um hospital da cidade de São Paulo por complicações cirúrgicas decorrentes de uma cirurgia para correção de endometriose. Ficou internada por 3 meses entre UTI e enfermaria.

Reflexões sobre Fisioterapia Hospitalar: Como foi sua experiência na UTI?

LucieneMuito difícil. A princípio fiquei em coma sem expectativa de sobrevida, quando comecei apresentar sinais de que iria acordar, fui sedada e permaneci por 45 dias. Fiquei por 2 meses e 15 dias na UTI, sendo 2 meses IOT. Tive muitas alucinações. Quando acordei a sensação era de que estava em uma prisão, além de não ter noção de tempo. Poucas pessoas me situaram que dia era e qual período do dia, só tive noção quando colocaram uma televisão na minha frente e a programação me situava, mas isso foi somente perto de ter alta da UTI.

RSFH: Você já era Fisioterapeuta quando foi acometida?

LucieneEstava no 3º ano da faculdade e quando tudo passou, voltei para os estudos e tive que estudar muitas coisas novamente. Lembrava que tinha estudado as matérias, mas não lembrava exatamente as informações. Percebi que tinha alguma alteração cognitiva quando fui fazer a minha primeira prova e terminou o tempo de fazer a prova e eu não tinha conseguido terminar de ler as perguntas. Voltar a estudar e fazer palavras cruzadas ajudou muito.

RSFH: Quais eram seus medos e angústias durante a internação?

LucieneMuitas. Quando acordei vi aquele tubo, minhas mãos restritas não tinha noção de nada. O médico me contou o que houve. Foi assustador! Olhei ao redor, procurando entender tudo, tive medo, medo de não sobreviver, de não voltar a falar, de não andar novamente.

RSFH: Quando você percebeu que estava com Fraqueza Muscular Adquirida na UTI?

Luciene: Percebi quando acordei. Tentei chamar alguém e meu braço e mãos não mexiam, achava que era por causa da anasarca, mas notei que era falta de força. Outra situação foi quando tentei comer sozinha, meu braço tremia e eu suava de tanto esforço. Cheguei a perder 20 quilos.

RSFH: Qual foi a sua experiência com a Fisioterapia e o processo de reabilitação?

LucieneÉ até estranho porque vivi várias experiências. Primeiro briguei com o ventilador, literalmente, o som do alarme não sai da minha mente até hoje, via os colegas Fisioterapeutas sempre correndo no meu leito para tentar ajustar, até que conseguiram.
Tive 2 extubações sem sucesso, mas parece que foram 3, tive claustrofobia da VNI, uma sensação horrível. Eu gostava muito da Mobilização Passiva, pois era uma sensação prazerosa, tinha vontade de pedir para não parar, mas eram poucos movimentos que faziam, acho que estavam com pressa. Só me sentaram uma vez na UTI. Com a Fisioterapia Respiratória, a vibrocompressão que é tão questionada, pra mim era um alivio, o Ambú® parecia algo grosseiro e o Fisioterapeuta não tentava coordenar o Ambú® com a minha respiração.

RSFH: E na enfermaria?

Luciene: Era atendida uma vez ao dia, acho que deveriam ter priorizado a minha reabilitação. O atendimento durava pouco. Eu não conseguia virar, não percebi uma avaliação adequada, MRC, essas coisas. 

RSFH: Com quanto tempo você ficou sentada, tomou o primeiro banho de chuveiro, comeu, ficou em pé e andou na UTI ?

LucieneNa UTI após 2 meses uma única vez na poltrona. O tão sonhado banho de chuveiro ocorreu no primeiro dia na enfermaria, após 2 meses e 15 dias de internação. Não fiquei em pé no hospital, houve uma ou duas tentativas sem sucesso, acho que desistiram, não deveriam ter feito isso. O que eu queria era pelo menos conseguir rolar no leito, mas não treinavam, me colocavam na poltrona de forma passiva. Infelizmente saí do hospital sem ficar de pé. Minha reabilitação foi em casa, com a Fisioterapeuta do home-care, o processo foi doloroso, difícil, de muita persistência e competência dela. Demorei 3 meses para voltar a andar sozinha. Com 8 meses de alta, voltei para a Faculdade, mas mesmo assim tinha medo de cair e não ter forças para me levantar, no começo não tinha nem forças de subir no ônibus. Mesmo eu conhecendo a fisioterapia cheguei a pensar que não voltaria a andar, ter força, etc.

RSFH: Ainda sente sintomas desse processo hoje?

LucieneSim, infelizmente. Claro que com menor intensidade. Até 2 anos após a alta, sentia sensação de fadiga e as alterações cognitivas. Voltei no hospital para pegar meu prontuário e queria visitar a UTI e os profissionais que cuidaram de mim, mas não consegui, tremia e fiquei com muito medo de voltar lá. Sei que são sintomas de stress pós-traumático, mas um dia eu volto. Eu cantava na minha igreja, hoje após quase 5 anos ainda não consegui voltar a cantar como antes.

RSFH: Você acha que tem uma abordagem com outro olhar com seus pacientes, por conta desse processo?

LucieneSim, sem dúvida nenhuma. Todas as vezes que vou atender e vejo a dificuldade, a insegurança e o medo deles, me vejo lá também. Consigo mostrar que é possível, que funciona, e sempre me faz pensar: O que é mais importante para o paciente e o que ele espera de tudo isso? Será que fiz o suficiente? Será que poderia fazer mais? 

RSFH: Depois da sua alta, alguém disse que você não conseguiria fazer algo?

Luciene: Sim, me disseram que teria que mudar de profissão, pois não conseguiria ser fisioterapeuta pelas condições clínicas e psicológicas. Mas eu consegui. Sofri, chorei a primeira vez que entrei na UTI ainda no estágio da faculdade, mas engoli o choro e o desespero ao ouvir os alarmes tocando. Era tudo tão vivo em mim. Uma das minhas vitórias foi agachar pela primeira vez, sem medo e sem apoio, mas isso foi quase 4 anos depois. Como prova de superação eu fiz a especialização no InCor e pensei que se eu conseguisse passar por isso, eu iria conseguir exercer a profissão. E consegui!

Luciene, estamos muito agradecidos por você ter compartilhado esse período tão difícil e doloroso pelo qual você passou. Durante a nossa conversa foi possível ver e sentir, o quanto a atuação da fisioterapia, no ambiente hospitalar e fora dele, podem repercutir na recuperação e na vida dos nossos pacientes.


Até a próxima!!!


Wesla Neves
Fisioterapeuta da Unidade Crítica Geral do Hospital Sírio-Libanês
Especialista em Fisioterapia em Terapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR
Especialização latu sensu em Fisioterapia em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP







Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa



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