8 de abril de 2016

FISIOTERAPIA NO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO

Olá colegas, mais uma vez trazemos a nossa parceira Lívia Zalaf, que sempre aborda a temática de Fisioterapia Oncológica. Desta vez, ela aborda a Fisioterapia nos cânceres de cabeça e pescoço.

O câncer de cabeça e pescoço é atualmente considerado um problema de saúde pública, representando cerca de 5% das neoplasias, e atingindo cerca de 1,7% na população brasileira. A incidência aumenta com a idade e sua ocorrência é maior em pessoas acima de 50 anos, sendo a maior parte dos diagnósticos tardios e envolvendo: pele e lábios, cavidade oral, orofaringe, laringe, hipofaringe, nasofaringe, glândulas salivares, cavidade nasal e seios paranasais, meato acústico externo e ouvido médio.
Como principais fatores de risco temos principalmente o tabagismo e o etilismo, sendo que 90% dos pacientes apresentam história prévia de tabagismo. Viroses (vírus de Epstein -Barr), exposições ocupacionais, (refinarias, marcenarias e fábricas de artigos de couro e trabalhadores em minas de asbestos), exposição à radiação ionizante, à radiação solar, e a suscetibilidade genética também são fatores de risco importantes. 
Os sinais e sintomas da doença, no geral, possuem manifestação precoce em função da alta sensibilidade das regiões acometidas, sendo o sintoma mais comum a rouquidão.  Alguns locais tendem a ter surgimento e evolução da doença de forma mais silenciosa, como a base da língua, e o prognóstico varia com o local e o estadiamento da doença. 
O diagnóstico do câncer de cabeça e pescoço e seu tratamento impactam diretamente na qualidade de vida do paciente, podendo promover alterações funcionais, relacionadas à respiração, alimentação, comunicação e à interação social. As opções convencionais de tratamentos do câncer de cabeça e pescoço são cirurgia, radioterapia, quimioterapia e iodoterapia. Somado à esses temos a fisioterapia, que tem sido cada vez mais reconhecida e valorizada ao melhorar a qualidade de vida desses pacientes. 
Pacientes com tumores malignos de cabeça e pescoço podem apresentar disfunções respiratórias em função da compressão das vias aéreas pelo tumor. A cirurgia pode ser uma opção de tratamento, com ressecção parcial ou total do tumor, e possível necessidade de colocação da traqueostomia. 
A traqueostomia (TQT) diminui o trabalho respiratório e a resistência das vias aéreas, é melhor tolerada por pacientes conscientes, e previne danos à laringe. Porém, Gomes (2011), mostrou em seu trabalho que a TQT pode gerar eliminação da atividade da musculatura cervical e dos músculos laríngeos, supressão da função glótica e aumento significativo da elastância pulmonar, favorecendo a queda do quadro respiratório e corroborando no aumento da morbidade e mortalidade dos pacientes com neoplasia de cabeça e pescoço. É ai que nós, fisioterapeutas, entramos com um papel crucial nesses pacientes.
 Enquanto o paciente ainda está no hospital é importante além da higienização da TQT (lembrando que a equipe de enfermagem também deve ser treinada e capaz de realizar), as manobras de higiene brônquica e as manobras e de reexpansão pulmonar. Se o paciente se apresenta secretivo, é importante a nebulização para manter a via umidificada e evitar a formação de rolhas. A fisioterapia também tem importante papel com no fortalecimento muscular da região cervical e facial e na melhora da função pulmonar, sendo uma boa opção a cinesioterapia respiratória. Fornecer orientação e educação do cuidado e higiene dos pacientes e seus cuidadores com o orifício traqueal também é muito importante. Mesmo que um serviço home care esteja disponível em sua casa, é importante que o paciente (ou cuidadores) domine os cuidados básicos com sua traqueostomia, isto é: higienização peri-traqueo e aspiração caso necessário ou para higienização. Em relação ao cuff, alguns pacientes são orientados e dominam esse cuidado, porém é algo mais específico e que por poder variar de acordo com a evolução do paciente (usar o cuff insuflado ou desinflado) exige avaliação mais frequente da nossa parte. É importante lembrar que apesar de existir um consenso na literatura em relação à pressão ideal de cuff (cerca de 20 a 30 mmhg), esses pacientes podem apresentar alterações mecânicas que tornem essas pressões consensuais inadequadas, sendo assim muito importante uma avaliação minuciosa e individualizada.
Em relação a alimentação, os tumores de cabeça e pescoço podem gerar importante perda da capacidade de mastigação, deglutição e redução da produção de saliva, reduzindo a ingesta de alimentos e muitas vezes levando à caquexia (perda de peso, atrofia muscular, fadiga, fraqueza, perda de apetite e desnutrição aguda). A caquexia pode trazer complicações como a perda de massa muscular e consequentemente da força muscular global. A importância da fisioterapia nesse fator se dá pela capacidade que o exercício físico tem na manutenção do peso corporal total e nas funções neuromusculares, diminuindo a caquexia e a fadiga e atuando diretamente no bem-estar e na qualidade de vida desses pacientes.
A fisioterapia também pode e deve atuar na redução e alívios dos efeitos colaterais e adversos da quimioterapia como a constipação, náusea, dor, fadiga e neuropatia. 
 Para a constipação, podemos realizar a massagem intestinal (movimentos circulares com as mãos no sentido horário, permeando os cólons ascendente, transverso e descendente, por um período de cinco a dez minutos, preferencialmente 30 minutos após as principais refeições, quando os reflexos gastrocólico e duodenocólico estão mais frequentes). Apesar de não haver evidência consistente na literatura sobre a eficácia dessa técnica, a mesma pode ser valorizada se pensarmos que além de ser um procedimento simples, não invasivo, de baixo custo, sem muitas contraindicações, e sem maiores efeitos deletérios, possui a explicação lógica e razoável de agir sobre o sistema nervoso parassimpático, que é responsável por estimular a motilidade do trato gastrointestinal, acelerando o trânsito do bolo fecal.
A fisioterapia também tem um importante papel já conhecido na analgesia. Lembrando que a dor no câncer pode decorrer desde a infiltração (invasão) neoplásica dos tecidos, de procedimentos terapêuticos, bem como de síndromes paraneoplásicas. A termoterapia por calor promove a vasodilatação, o relaxamento muscular, a melhora do metabolismo e circulação local, a extensibilidade dos tecidos moles, a alteração de propriedades viscoelásticas teciduais e a redução da inflamação. O alongamento muscular também auxilia no relaxamento da musculatura e na consequente redução de algia. Já a crioterapia é indicada em disfunções musculoesqueléticas, traumáticas, inflamatórias incluindo processos agudos. É importante lembrarmos que no caso do calor, o uso dessas técnicas é contra-indicado na região direta do tumor, pois o calor provoca uma vasodilatação que pode oferecer riscos na disseminação de células tumorais por via linfática e hematogênica (estudos questionam essa contra-indicação, porém, por falta de evidência é preferível ter esse cuidado). 
Outra técnica bastante utilizada para a analgesia é a Estimulação Nervosa Transcutânea (TENS) que ativa o sistema supressor da dor e produz uma sensação que interfere na sua percepção. É uma técnica analgésica simples e não invasiva e que pode ser aplicada até mesmo pelos próprios pacientes ou cuidadores quando bem orientados. Paciente com tumores de cabeça e pescoço podem apresentar algias em locais não aplicáveis para o TENS em função de sua anatomia, porém podemos pensar no alívio álgico ao realizarmos em musculaturas próximas do local direto da doença, como o músculo trapézio. 
Para a náusea, estudos recentes mostram eficácia no uso do TENS no ponto de acupuntura chamado PC6, localizado próximo às pregas do punho, para redução da sensação de náusea e vômitos associados à quimioterapia. 
A fisioterapia na fadiga oncológica possui um papel muito importante e por isso já foi tema de um texto único nesse blog (não esqueça de revê-lo!). Mas para relembrarmos brevemente:  a mesma também é efeito colateral da radioterapia, manifesta-se entre 75% e 95% dos doentes, e pode ser definida como uma persistente e subjetiva sensação de cansaço relacionada à doença ou ao seu tratamento interferindo no desempenho das atividades de vida diárias. A partir da cinesioterapia podemos proporcionar mobilidade, flexibilidade, coordenação, aumento da forca muscular e resistência à fadiga. Exercícios passivos, exercícios resistidos com carga aumentando gradativamente, exercícios ativos livres, alongamento, cuidados posturais, fortalecimento muscular e exercícios de grandes grupos musculares também mostraram-se benéficos. Lembrando, é claro, que o paciente oncológico pode ter sua fadiga atribuída à diversas causas, merecendo uma boa avaliação. 
Em relação à fisioterapia na neuropatia, é mais presente na literatura atual estudos relacionados à neuropatia diabética do que à neuropatia secundária à quimioterapia. Porém, os mesmos indicam resultados interessantes alcançados pelo tratamento fisioterapêutico como a melhora da sensibilidade térmica, funções musculares, sensação de dormência, formigamento, queimação e equilíbrio estático, além de contribuir para a mobilidade (GOMES, 2007; SILVA, 2009). 
Apesar de todas as técnicas e evidências que a fisioterapia disponibiliza para o tratamento do paciente oncológico de cabeça e pescoço, gosto sempre de reforçar que o paciente oncológico é um paciente diferente daquele que sofreu um evento-doença e se insere rapidamente em um processo de reabilitação. Não só pela questão patológica desse paciente possivelmente já ter um gasto enérgico intrínseco importante em função da doença ativa e por isso necessitar de um tratamento fisioterapêutico cauteloso que respeite sempre seu momento, mas também pelo tratamento oncológico ser, na grande maioria das vezes, um tratamento que dura meses e até anos. Isso faz com que o paciente e seus cuidadores/ familiares modifiquem suas rotinas, seus hábitos e suas vidas em torno do tratamento, causando impactos e possíveis complicações cognitivas, afetivas e comportamentais à todos e tornando-se assim crucial o trabalho contínuo, integrado e humanizado de uma equipe multiprofissional. 


Lívia Ribeiro Zalaf
Fisioterapeuta do Hospital São José (Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo)
Especialista em Fisioterapia em Oncologia pela UNIFESP (2015)
Fisioterapeuta formada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/2012)
Contato: lizalaf@gmail.com



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 

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