A partir do momento que uma pessoa decide se tornar um profissional de saúde, ela pode escolher também, por inúmeros motivos, não conviver diretamente com o processo de morte. Agora vamos visualizar o nosso caso, fisioterapeutas. Mesmo escolhendo não conviver diretamente com a morte, o fisioterapeuta pode e provavelmente irá conviver de forma indireta com a mesma. Por exemplo; um fisioterapeuta pode escolher trabalhar com ergonomia, e não com fisioterapia hospitalar. Porém, os pacientes da empresa que o fisioterapeuta ergonomista atende estão sujeitos a adoecerem e viverem o processo de perdas de funções, e mesmo a morte, certo? Claro que isso vai se diferenciar bastante nos fatores ‘frequência’ e ‘intensidade’ das situações. Mas ainda assim, estamos todos sujeitos. Então, agora vamos tentar refletir um pouquinho.
O sofrimento e a morte são ocorrências naturais da vida humana, com os quais todo profissional de saúde se depara com frequência em sua atividade prática. Porém, muitos profissionais referem evitar o contato, a aproximação e a conversa com pacientes terminais apontando que não receberam preparo teórico e emocional para lidar com o sofrimento e com a morte. Além disso, segundo Kovács et al., os profissionais acabam realizando suas atividades de forma rotineira e superdimensionando aspectos técnicos para evitar estabelecerem vínculos mais estreitos com os pacientes, pois muitas vezes a morte é considerada uma derrota na profissão e se torna uma frustração pessoal. Ainda, essa mesma autora reata que profissionais de saúde constantemente ocultam seus sentimentos em relação ao trabalho, em especial à perda de seus pacientes, o que pode levar à um grande risco de adoecimento, configurando-se um processo de luto não reconhecido. Torna-se assim muito importante dentro de nossos serviços discutimos e refletirmos questões como “como lidar com pacientes que expressam fortes emoções?”, “como agir diante do pedido de um paciente para morrer?”, e “como manejar situações em que o paciente apresenta ideação suicida?”. As respostas para essas questões não são exatas ou possíveis de se protocolar pois deverão sempre se relativizar com cada caso, cada paciente e cada momento. Importante lembrarmos que mesmo o fisioterapeuta não sendo responsável pela comunicação de diagnósticos, prognósticos e condutas médicas, o mesmo está inserido no ambiente assistencial e muitas vezes lida com a situação durante maior carga horária do que o próprio médico.
Ao procurarmos o significado de fisioterapia nos dicionários onlines mais populares (Aurélio, InFormal, Priberam, Infopédia), encontramos definições como as seguintes: “sistema terapêutico que emprega recursos da natureza (água, sól, calor, etc.), massagens e exercícios físicos” e “área que estuda, diagnostica, previne e trata os distúrbios da cinesia decorrentes de alterações de órgãos e sistemas.” Apesar de sabermos que o dicionário trabalha com definições em palavras reduzidas ao máximo, sem espaços para muitas explicações, nós sabemos que fazemos muito mais do que isso, certo? Então vamos dar uma olhada na definição do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional: “É uma ciência da saúde que estuda, previne e trata os distúrbios cinéticos funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas, na atenção básica, média complexidade e alta complexidade.” Acho que já ficamos um pouco mais felizes! Agora, considerando essas definições, vamos lembrar um pouquinho sobre nossa formação acadêmica.
Se não todos, a maioria de nós viveu em sua graduação a experiência de ter ouvido muitas vezes a relação da nossa profissão com a palavra ‘reabilitar’. E sabemos que é a partir dessa função que somos conhecidos culturalmente no Brasil. Apesar das definições do dicionário não citarem exatamente essas palavras, também é notável a ligação implícita com o conceito cultural de ‘recuperação’ da fisioterapia. E então, quando nos deparamos com o processo de morte, em que ‘reabilitar’ e ‘recuperar’ não condizem mais com as condições do paciente e consequentemente não entram mais nos nossos objetivos, o fisioterapeuta tende a perder um pouco seu rumo.
Em um estudo publicado recentemente, um questionário sobre cuidados paliativos foi aplicado em 47 fisioterapeutas de um hospital escola. Entre outras descobertas, foi visto que a maioria (97,8%) demonstrou não acreditar que faça parte do tratamento afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal. Isso mostra a dificuldade do profissional em lidar com a morte, e também indica que há no ensino acadêmico sobre o tema. Os profissionais de saúde que lidam com a morte diariamente deveriam receber conteúdo específico sobre o tema desde de sua formação acadêmica básica, estímulo e auxílio para reflexão sobre o tema, capacitação técnica e emocional que habilite suas participações humanizadas no processo de morte dos pacientes.
Ao não termos mais como foco a reabilitação de um paciente, a seleção de técnicas fisioterapêuticas nesse momento deve respeitar sua utilidade e os resultados esperados, pois a implementação de técnicas sem estabelecer objetivos claros pode gerar insegurança ao profissional e reduzir a confiança do paciente e seus principais cuidadores. O benefício a ser buscado é aliviar os sintomas, dando oportunidade, sempre que possível, para a independência funcional do paciente, pois o sentimento de inutilidade e o desconforto de incomodar os outros traz desejos negativos ao bem-estar. Manter um caráter superprotetor impedindo a atividade funcional do paciente ou prolongando a hospitalização pode ser um fator desencadeante para complicações psicofísicas e diminui o tempo junto aos familiares e amigos. Muitos pacientes terminais são restringidos desnecessariamente até mesmo pelos familiares, quando na verdade são capazes de realizar atividades e ter certo grau de independência, restaurando o senso de dignidade e auto-estima. Assim, quando possível, a fisioterapia pode contribuir efetivamente para a realização das atividades de vida diária dos pacientes, direcionando-os a novos objetivos e buscando-o alcançá-los a partir de suas variadas técnicas.
Quando a funcionalidade do paciente já se encontra de forma bastante reduzida, principalmente nas últimas horas de vida, os objetivos devem priorizar o conforto do paciente e da família. Posicionamento confortável no leito, ventilação ou oxigenoterapia (quando necessário) são técnicas de grande importância nesse momento. Importante lembrarmos que a oxigenoterapia deve ser utilizada com critério sempre, sendo o oxigênio um artefato inflamável, com custo elevado, e que causa efeitos adversos como ressecamento e sangramento nasal. Abernathy mostrou um ensaio clínico randomizado que a oxigenoterapia comparada com o placebo não apresenta significância para alteração no quadro clínico do paciente que apresentava saturação maior que 90%, porém, que qualquer movimento de ar ambiente ou por cânula nasal de oxigênio podia levar a melhora da sensação da falta de ar, a partir da estimulação do segundo e terceiro ramos do nervo trigêmeo. O movimento de gás através das vias nasais geram sensação de alívio da dispneia e da ansiedade do paciente, melhorando também o estado psicológico. Sabemos que em algumas instituições o uso de utensílios como o ventilador são proibidos por questões de higiene, porém, quando possível o uso destes devem ser estimulados, sendo de baixo custo e de fácil utilização.
Lívia Ribeiro Zalaf
Fisioterapeuta do Hospital Mirante
- Beneficência Portuguesa de São
Paulo
Especialista em Fisioterapia em Oncologia pela UNIFESP, 2015
Fisioterapeuta formada na Universidade Federal de São Paulo, 2012
Contato: lizalaf@gmail.com
Referências:
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