Olá colegas, hoje mais uma vez trazemos nossa colega Lívia Zalaf na coluna de Fisioterapia em Oncologia Hospitalar.
O transplante de medula óssea, ou
transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), é atualmente uma das
principais terapias propostas para doenças que afetam as células sanguíneas,
principalmente no caso de doenças onco-hematológicas como o linfoma e a
leucemia. Nessa terapia, a medula com células doentes é substituída por uma com
células saudáveis. No Brasil há atualmente cerca de 70 centros para realização
do transplante de medula óssea. Em 2015 foram realizados cerca de 2101
procedimentos, e no Estado de São Paulo, 876. (Fonte dos dados: Centrais de
Notificação Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos - CNCDO - dos estados e
do Distrito Federal, 2017)
A fisioterapia no
transplante de medula óssea é uma área da profissão relativamente nova, porém
que tem demonstrado prática e cientificamente cada dia mais sua importância
dentro da equipe multiprofissional. O fisioterapeuta pode e deve intervir nas
três fases do tratamento; antes, durante a fase do TCTH, e após o mesmo.
Primeiramente, e de forma
precoce, deve ser realizada uma avaliação pré-internação. Essa avaliação pode
ser realizada ambulatorialmente, e nela será avaliada precocemente a condição
clínica e física do paciente, que na maior parte das vezes ainda não possui
efeitos colaterais impactando em sua qualidade de vida e atividades de vida
diária (AVDs). Nessa fase, podemos identificar os hábitos de vida do paciente e
suas comorbidades, como o tabagismo e o sedentarismo. Porém, os déficits mais frequentes
encontrados no paciente nesse momento são relacionados com a própria doença,
como a fadiga, presente em 75 a 95% dos pacientes oncológicos. O paciente e acompanhantes receberão orientações
e informações importantes como o objetivo do tratamento fisioterapêutico, o
plano de tratamento, aspectos da rotina intra-hospitalar, e esclarecerão suas
principais dúvidas relacionadas.
Na segunda fase, sendo
essa a fase intra-hospitalar e de realização do transplante, podem ser
reforçadas as orientações dadas anteriormente, e será executada a terapia
planejada de forma individual e de acordo com as condições em que o paciente se
encontra. Devemos considerar dois fatores importantes e específicos dessa fase:
o paciente se encontra hospitalizado e isolado por um longo período em função
da sua imunossupressão, e consequentemente se torna hipoativo e sujeito às
consequências já conhecida por nós, fisioterapeutas (perda da força global e respiratória,
perda volumétrica pulmonar, redução da mobilidade diafragmática e retenção de
secreção nas vias aéreas superiores e inferiores, risco de trombose, entre
outras). Além disso, nessa fase o paciente está sujeito à algumas
alterações clínicas e físicas em função não somente da doença, mas também dos
efeitos colaterais das drogas, principalmente as quimioterapias, as quais
apresentam alto poder de toxicidade. Nessa fase encontramos frequentemente,
além da fadiga possivelmente acentuada, desconfortos respiratórios, fraqueza
global, indisposição, inapetência, mucosite em seus diversos graus, náuseas e
êmeses, diversos tipos de algias, neuropatias, processos alérgicos de pele,
entre outros. Mesmo alguns desses efeitos não sendo passíveis do tratamento
fisioterapêutico, eles devem ser considerados e conhecidos pois influenciarão
na nossa rotina e consequentemente no nosso planejamento fisioterapêutico. Importante
lembrar também que durante a fase em que há a menor contagem de células, conhecida
como NADIR, o paciente apresentará baixo nível de hemoglobinas e de plaquetas,
células relacionadas respectivamente com a fadiga global/cansaço respiratório,
e com o risco de sangramentos (apesar de haver algumas controvérsias para esse
último, pois os estudos são limitados considerando que ninguém submeteria um
paciente ao risco de sangramento para ter evidência da taxa exata de risco.
Assim, acaba sendo apenas uma precaução relativa). Ainda dentro da fase
hospitalar, após o NADIR a medula do paciente começará a se recuperar e ao
invés de reduzir nossa atenção, devemos mantê-la e até redobrá-la, pois o
paciente começará a ter células para realizarem reações inflamatórias e assim
continuará sujeito à sinais, sintomas e desconfortos importantes.
E por fim, temos a fase pós-transplante, sendo composta
pelo final da internação hospitalar e um possível acompanhamento ambulatorial
após a alta hospitalar. Autores como Kebriaei et al (2005), e Morishita et al.
(2012) indicaram em seus estudos que a baixa capacidade funcional dos pacientes
no período da TCTH está relacionada com as complicações pós transplante. Nessa
fase, além de orientarmos o paciente e acompanhantes sobre suas atividades de
vida diária e sobre a importância da continuidade do exercício físico como
hábito de vida (lembrando que ‘atividade física’ é diferente de ‘exercício
físico’), lidaremos com as possíveis complicações geradas após o transplante,
como por exemplo a doença do enxerto versus
o hospedeiro (DECH), sendo a principal causa de morbimortalidade pós
transplante e presente em cerca de 50% dos pacientes que realizam o mesmo. Seus sintomas podem ocorrer em um único
órgão ou podem estar disseminados, sendo comuns alterações em pele, olhos,
boca, trato gastrointestinal, pulmões e articulações.
Estudos recentes (WA Wood et al., 2013, Fiuza-Luces et al., 2015; Wiskemann et al., 2015, Wiskemann
et al., 2017) mostram que o exercício
físico, no geral, apresenta boa tolerabilidade por esses pacientes. Além disso,
há melhora da capacidade física, da capacidade funcional, da capacidade
muscular, do condicionamento cardiorrespiratório, do pico de VO2, e da
qualidade de vida desses pacientes, também auxiliando na redução da fadiga, da
ansiedade, da depressão e da angústia. Oliveira (2015), mostrou em sua revisão
de literatura que tanto o treinamento de força quanto o aeróbio trouxeram efeitos
positivos fisiológicos, funcionais, psicológicos e na composição corporal em
indivíduos realizando quimioterapia. Wiskemann, J et al. (2015) indica
em seu estudo que o exercício físico pode melhorar a chance de sobrevivência de
um paciente transplantado. Mesmo não sendo o nosso foco aqui, técnicas alternativas que
vêm ganhando espaço no tratamento oncológico também merecem ser lembradas, como
por exemplo o mindfulness (terapia
cognitiva relacionada a meditação) mostrando reduzir o estresse e melhorar o
suporte emocional (Carlson
et al., 2015). Apesar
de já termos uma quantidade relevante de estudos na área, ainda não há uma
intervenção padrão nesses pacientes em função da variabilidade dos treinamentos
aplicados nesses estudos, indicando a necessidade do desenvolvimento cientifico
na área.
O paciente do TMO é um paciente cheio de especificidades,
frequentemente passando por um tratamento longo e bastante intenso, sujeito a
diversos efeitos colaterais, complicações, além do isolamento físico e social.
Nesse cenário é importante lembrarmos que acima de qualquer ciência, devemos
como profissionais e equipe respeitar o momento em que o paciente e seus
acompanhantes se encontram para um atendimento mais efetivo em todos os
aspectos. Além disso, não podemos esquecer do paciente em sua dimensão
biopsicossocial, ressaltando a importância da equipe multiprofissional e da
sincronia e comunicação entre os profissionais para que o melhor tratamento e
conforto possíveis sejam oferecidos ao paciente em todas as fases existentes.
Até a próxima!!!
Lívia Zalaf
Fisioterapeuta graduada pela UNIFESP (2012)
Pós-graduada em Oncologia pela UNIFESP (2015)
Fisioterapeuta da unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital Mirante – Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Contato: lizalaf@gmail.com
Contato: lizalaf@gmail.com
Referências:
1- ALENCAR, F. S. L. et al. Treatment of oral manifestations of chronic graft versus host disease: systematic literature review. Rev. Bras. Odontol. vol.73 n.2 Rio de Janeiro Apr./Jun. 2016
2- CARLSON et, al., Mindfulness-Based Cancer Recovery and SupportiveExpressive Therapy Maintain Telomere Length Relative to Controls in Distressed Breast Cancer Survivors. November 3, 2014 in Wiley Online Library (wileyonlinelibrary.com)
3- COURNEYA, K. S., FRIEDENREICH, C. M. Framework PEACE: an organizational model for examining physical exercise across the cancer experience. Annals of Behavioral Medicine, v. 23, n. 4, p. 263-272, 2001
4- FIUZA-LUCES et al., 2015, Physical function and quality of life in patients with chronic graft-versus-host-disease: A summary of preclinical and clinical studies and a call for exercise intervention trials in patientsBone Marrow Transplant. Author manuscript; available in PMC 2016 January 06. Author Manuscript
5- KEBRIAEI, P. et al. Impact of disease burden at time of allogeneic stem cell transplantation in adults with acute myeloid leukemia and myelodysplastic syndromes. Bone marrow transplantation, v. 35, n. 10, p. 965-970, 2005.
6- MORAES, A. J. P . Viabilidade do treinamento físico aeróbio por pacientes com câncer hematológico antes do transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas / Alan de Jesus Pires de Moraes. -- 2014.
7- MORISHITA, S. et al. Impaired physiological function and health-related QOL in patients before hematopoietic stem-cell transplantation. Supportive Care in Cancer, v. 20, n. 4, p. 821-829, 2012.
8- MOTA, D. D. C., PIMENTA, C. A. M. Fatigue in patients with advanced cancer: concept, assesment and management - Revista Brasileira de Cancerologia - Volume 48 n°4 Out/Nov/Dez 2002
9- WA WOOD et al. Cardiopulmonary fitness in patients undergoing HCT. Bone Marrow Transplantation (2013) 48, 1342–1349
10- WISKEMANN et al. Effects of physical exercise on survival after allogeneic stem cell Transplantation. Int. J. Cancer: 137, 2749–2756 (2015) VC 2015 UICC
11- WISKEMANN et al. Effects of a partly self-administered exercise program before, during, and after allogeneic stem cell transplantation. BLOOD, 3 MARCH 2011 _ VOLUME 117, NUMBER 9
12- www.inca.gov.br – acessado 06/06/17, as 10:34. http://www.stmo.com.pt/pt/apoio-ao-doente/informacao-ao-doente/reinternamentos/122-doenca-enxerto-contra-hospedeiro.html acessado 06/06/17, as 11:20.
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