Por Dra. Bianca Orestes.
Até 36% dos pacientes terminais possuem diretivas, como a extubação,
para o fim de vida nas UTIs brasileiras. Valores muito baixos comparado a
Europa e Estado Unidos. Além disso a VM
é raramente removida, pois ainda vivenciamos uma cultura paternalista no
Brasil.
Estudo publicado na Critical
Care em 2011, em 13 UTIs brasileiras, relataram que a maioria da equipe e
membros da família são a favor de limitar o suporte de vida em doentes
terminais e que tais decisões devem envolver a equipe, pacientes e familiares,
porém para pacientes incapazes da escolha de retirada, o confronto surgia para
os médicos sobre tal decisão. E então, quem poderá nos ajudar? Nesses casos, os
familiares tornam-se representantes legais, e muitas vezes sabem o que o
paciente desejava no fim de linha, facilitando para que outros tipos de
cuidados iniciem, resultando em uma qualidade de vida desejada pelo indivíduo,
ou seja, como é importante quebrar o cerco do silêncio para que a morte seja da
própria vontade.
European Respiratory em 2012, menciona
que em mais de 70% dos casos de pacientes com DPOC, na admissão em UTIs em
estado de fim de vida, onde ocorrem procedimentos como intubação e
traqueostomia nunca ou apenas algumas vezes foram mencionados pelos médicos, ou
seja sem opções de escolha de fim de vida.
Reflita agora: o que você deseja se estivesse na situação de uma doença
incurável no fim de vida? É fato que o medo de sofrer seja o principal tormento
desta escolha, mas não seja por isso, existem passos a serem seguidos para
evitar este cenário.
Primeiramente, este processo necessita de medidas de conforto (alívio
de sintomas pré e pós retirada do suporte de vida), preparo, planejamento e
atitudes individualizadas, mesmo que existam protocolos.
Reunindo alguns estudos realizados pelo grupo de estudos de cuidados
paliativos de San Diego, os artigos publicados na The New England Journal of
Medicine, Intensive Care Medicine e Journal of palliative medicine temos
etapas comuns para a retirada como:
· Certificar
que o médico está ciente com decisão compartilhada dos familiares;
· Cuidados
espirituais presentes;
· Reuniões
familiares para tomada de decisão e explicações diretas, claras, com termos
simples do procedimento, e o que poderá suceder após a retirada, como morte
imediata ou em horas, dias, respondendo a todas as perguntas;
· Certificar de que a dignidade será sempre
mantida em qualquer ação e não abandonar a família e paciente no processo;
· Minimizar ruídos externos preparando o local;
· Liberar as restrições de visitas;
· Retirada
de equipamentos de monitorização (evitar angustia);
· Adequar
todas as medicações para certificar o menos possível de angustia e sofrimento
(opióides fortes, sendo a morfina o mais utilizado para alívio respiratório,
sedativos e o que for necessário para diminuir dispneia, aflição respiratória e
dor. Adjuvantes, corticoides, enfim, medicamentos necessários com o objetivo de
alívio de sintomas);
· Certificar
que foi retirado nutrição e hidratação artificial que poderão piorar o quadro;
· Diminuir
FiO2 e PEEP, sendo que o estudo da Intensive
Care aborda o protocolo de FiO2 21% e PEEP 0, porém vivenciamos PEEP
fisiológica;
· A
maioria das vezes o paciente apresenta drive respiratório, porém se não houver
é uma decisão do responsável legal para a retirada de um suporte, onde não há
mais dignidade de vida e cura;
· Posicionamento
e aspiração antes da retirada.
Para
pacientes e familiares, a sensação de falta de ar é um dos sintomas mais
terríveis durante o processo, temem que o paciente esteja passando por um
sofrimento excessivo por asfixia, o ruído produzido por movimentos oscilatórios
de secreções de orofaringe, hipofaringe e traqueia em pacientes terminais é
descrito como um 'estertor da morte' que
possui uma incidência de 44-56% dos casos e precede a morte dentro de
48h em quase 75% dos pacientes, porém, não há angustia respiratória pelo
próprio paciente, nem por auto relato e nem por aparência clínica, por isso a
importância da equipe presente e medicações adequadas.
A vivência em uma Unidade de Internação por onde
passam muitos pacientes em cuidados paliativos, traz a sensação de que estamos
no rumo certo. Medidas como as citadas anteriormente, em sua maioria são
realizadas, porém ainda há um despreparo da equipe quanto ao manejo de
angustias e reflexões sobre a morte. Estive presente em extubações paliativas
que levaram ao curso natural da morte pela progressão da doença em poucas
horas, porém já vivenciei dias de vida com a família por perto, algumas vezes
com a possibilidade de comunicação verbal, por olhar ou mesmo gestos com a
boca, o que me faz pensar como é digno morrer como viemos ao mundo, sem
aparelhos. Afinal o que seria ideal?
Visitando por um mês a unidade de cuidados
paliativos do Hospital do Câncer de Barretos, relato que não há NENHUM
ventilador mecânico para estes pacientes, sendo tudo compartilhado com família,
paciente antes de não serem capazes desta decisão e equipe. Idealização possível.
Agora, e os fisioterapeutas? Além de realizarmos a
extubação com a equipe, auxiliamos também o entendimento dos familiares sobre
nossas condutas. Estaremos presentes o tempo inteiro, e deixaremos de lado o
pensamento de que morte não necessita de acompanhamento e teremos abordagens
humanizadas com o paciente e familiar. O posicionamento, a explicação sobre o
malefício da aspiração nasotraqueal, pois será mais sofrimento que alívio,
e que por vivência não mudará o quadro
respiratório, a oxigenoterapia que estará presente em pacientes hipoxêmicos
graves, porém em outros não trará melhora no padrão, como citado no Journal
of Pain and Symptom Management em 2012, que ainda demonstra que o
ventilador poderá trazer benefícios para a angustia respiratória por ativar
receptores faciais de dispneia do nervo trigêmio e a VNI que poderá ser usada
quando houver reversão da causa da
insuficiência respiratória e para aliviar desconforto respiratório com a
tentativa de fornecer algum tempo
adicional, para por exemplo, o paciente
dizer adeus a seus parentes e amigos ou para resolver outros problemas
relatados pelo próprio paciente ou familiar. Lembrando que para toda conduta
SEMPRE mentalizar qualidade de vida e autonomia do paciente.
Há diversos casos, há evidências surgindo, e cada um
possui uma individualidade, fazer ou não cada conduta depende da abordagem da
equipe, família e paciente, sendo ele incapaz para decidir ou não. É difícil
aceitar que em um hospital a morte ocorra naturalmente, mas é difícil aceitar
que nosso pensamento não vá além do nosso egoísmo de dizer que a morte foi bem
elaborada e sem abandonos, o sofrimento aliviado e o luto acompanhado. Esse é o
nosso papel, profissionais da saúde! Particularmente acredito que nesse
processo existam parcelas de despedidas, aceitação e espiritualidade.
“E um dia, quando estiver de passagem, não me
coloquem nada que não seja meu, peço a Deus que me leve, sem colocar culpa em
ninguém. Quero viver e não ficar aqui sem poder fazer nada. Sou grata a equipe
e minha família que aceitam isso como atestado de felicidade. Sou puro risos e
serei sempre assim, aqui ou lá no céu.”
Esperamos que gostem, reflitam, discutam e compartilhem.
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Dra. Bianca Orestes é Fisioterapeuta Residente do Programa de Urgência e Emergência da Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP. Bianca notadamente vem se especializando em Cuidados Paliativos e está realizando um ótimo trabalho na Enfermaria de Pacientes Crônicos e Cuidados Paliativos do Pronto Socorro do Hospital São Paulo-UNIFESP.
Referências:
1. Soares M. End of life care in Brazil:the long and winding road. Critical Care. 2011;15:110.
2. von Gunten C, Wiessman DE. Ventilator withdraw protocol (part I). J Palliat Med. 2003;6(5):773.
3. von Gunten C, Wiessman DE. Symptom control for ventilator withdraw in the dying patient. J Palliat Med. 2003;6(5):774.
4. Kompanje EJO, van der Hoven B, Bakker J. Anticipation of distress after discontinuation of mechanical ventilation in the ICU at the end of life. Intensive Care Med. 2008;34:1593-99.
5. Carlucci A, Guerrieri A, Nava S. Palliative care in COPD patients: is it only an end-of-life issue?. Eur Respir Rev. 2012;21(126):347-54.
6. Campbell ML, Yarandi H, Dove-Meadows E. Oxygen is nonbeneficial for most patients who are near death. J Pain Symptom Manage. 2013;45(3):517-23.
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