5 de julho de 2016

Sobre Nível de Evidência e Grau de Recomendação para a prática: Crônica de conceitos ignorados?

Olá colegas.
A Fisioterapia Hospitalar está passando por um momento de solidificação muito interessante. Escalas e testes para avaliação de funcionalidade e mobilidade surgindo, sendo validadas e utilizadas, preocupação com prescrição e dose terapêutica, cuidado com indicadores de qualidade assistencial e reconhecimento (ainda que engatinhando) das nossas competências.
Grande parte desse movimento, é baseado nas evidências científicas, e prática baseada em evidência é sinônimo de terapia segura e bem indicada.
Mas qual o motivo de ainda vermos terapias com ineficácia demonstrada ainda no nosso cotidiano?
Quando estava na graduação, muito escutei: "Ausência de evidências não significa evidência de ausência (de efeito)". E isso ainda continua sendo repetido, mas de uma forma diferente. Notei que existe uma confusão entre os termos Nível de Evidência e Grau de Recomendação, ou até mesmo pessoas que afirmam que são sinônimos.
O Nível de Evidência está relacionado diretamente aos estudos. Resultados de Ensaios Clínicos Randomizados que seguem o modelo CONSORT, com Intervalo de Confiança estreito e Relevância clínica, bem como Revisões Sistemáticas com Metanálises, constituem níveis de evidência alto.
Já o Grau de Recomendação, utiliza o nível de evidência, mas fazendo análise sobre conceitos como Eficácia, Eficiência e Efetividade. Mas vamos aos exemplos.
A Inspirometria de Incentivo, que faz parte da imensa maioria de protocolos hospitalares para prevenção de complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgias cardio-torácicas e abdominais. Essa técnica possui um ALTO Nível de Evidência, já que possui uma Revisão Sistemática com Metanálise (inclusive com uma atualização recente), mas possui um BAIXO Grau de Recomendação, já que essa mesma Revisão, traz a Ineficácia, quando comparado a outras terapias como Ventilação Não Invasiva, e nesse perfil de pacientes. Essa técnica até possui evidências (de baixa qualidade) de melhora de desfechos como aumento da oxigenação, volume corrente e expansibilidade visível de tórax, mas não, contra prevenção de complicações pulmonares.
Mas mesmo assim, ainda é baixo o grau de recomendação?
Sim, devemos analisar como o desfecho que utilizamos interfere na custo-efetividade da terapia. Nesse caso, o desfecho mais interessante são as complicações pulmonares (Atelectasia, Pneumonia e Hipoxemia). Devemos lembrar que esses desfechos aumentam o custo de internação hospitalar, já que predispõem a utilização de mais doses de antibióticos, exames diagnósticos, aumento do tempo de internação e uso de terapias adicionais, ou seja, se a Inspirometria de Incentivo, não possui efeito nesses desfechos, seu Grau de Recomendação é Baixo, então devemos considerar, digo, considerar não praticá-la para esse perfil específico de pacientes. Além disso Expansibilidade visível de tórax não é critério de melhora nem de alta hospitalar...
Outro exemplo é VNI em pacientes com Edema Agudo de Pulmão. Essa terapia possui ALTO Nível de Evidência de eficácia para Taxa de Intubação e Mortalidade Hospitalar através de Revisões Sistemáticas com Metanálise e ALTO Grau de Recomendação, já que possui custo-efetividade e o seu uso reduz em 53% a Taxa de IOT e em 60% a Mortalidade Hospitalar. É estimada uma economia de 3,787 euros por paciente durante uma internação quando se usa a VNI em pacientes com esse perfil.
Nós temos o dever analisar as evidências e os graus de recomendações e sempre eleger a terapia mais indicada, com melhor nível de evidência para aquele perfil de paciente, que o terapeuta tenha familiaridade e que respeite a preferência do paciente.
Até a próxima!!!
Caio Veloso da Costa
Fisioterapeuta do Hospital Sancta Maggiore - Prevent Senior
Especialista em Fisioterapia Intensiva - Adulto pela ASSOBRAFIR/COFFITO
Especialização latu sensu em Saúde do Adulto e do Idoso com área de concentração em Urgência e Emergência pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP
LinkedIn: Caio Veloso da Costa


Referências:
1- do Nascimento Junior P, Módolo NSP, Andrade S, Guimarães MMF, Braz LG, El Dib Rdo Nascimento Junior P, Módolo NSP, Andrade S, Guimarães MMF, Braz LG, El Dib R. Incentive spirometry for prevention of postoperative pulmonary complications in upper abdominal surgery. Cochrane Database of Systematic Reviews 2014, Issue 2. Art. No.: CD006058.DOI: 10.1002/14651858.CD006058.pub3.
2- Barbas CSV, Ísola AM, Farias AM de C, et al. Brazilian recommendations of mechanical ventilation 2013. Part I. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2014;26(2):89-121. doi:10.5935/0103-507X.20140017.
3- Vital FMR, Ladeira MT, Atallah ÁN.Non-invasive positive pressure ventilation (CPAP or bilevel NPPV) for cardiogenic pulmonary oedema.Cochrane Database of Systematic Reviews 2013, Issue 5. Art. No.: CD005351.DOI: 10.1002/14651858.CD005351.pub3.
4- Dieperink W, Jaarsma T, van der Horst IC, Nieuwland W, Vermeulen KM, Rosman H, et al. Boussignac continuous positive airway pressure for the management of acute cardiogenic pulmonary edema: prospective study with a retrospective control group. BMC Cardiovasc Disord. 2007 Dec 20;7:40.

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