Mais uma vez, trazemos a Dra Lívia Zalaf. Dessa vez, ela aborda a Fadiga Oncológica e como a Fisioterapia pode ajudar esses pacientes.
A fadiga é
um sintoma prevalente na doença oncológica, manifestando-se entre 75% e 95% dos
doentes. A fadiga relacionada ao câncer
pode ser definida como uma persistente e subjetiva sensação de cansaço
relacionada à doença ou ao seu tratamento interferindo no desempenho das
atividades de vida diárias. Pode variar na sua intensidade e duração, e ser
acompanhada de outros sintomas como a sensação de falta de energia, exaustão,
perda de interesse por atividades anteriormente prazerosas, fraqueza, dispneia,
dor, alterações de paladar, prurido, lentidão, irritabilidade e perda de concentração,
podendo exercer influência direta em aspectos de ordem psicológica,
fisiológica, comportamental, social/familiar, prejudicando a qualidade de vida
do paciente.
Mas como podemos identificar e diferenciar da
fadiga oncológica da fadiga comum? De acordo com Schneider e Lopes (2004), a fadiga
oncológica é persistente, interfere no dia a dia do paciente, é marcada pela
falta de energia, pela sonolência, fraqueza muscular, perturbação do humor,
com diminuição da performance cognitiva e da qualidade de vida, e com
custos econômicos acrescido. Além disso, na fadiga oncológica esses fatores comumente
persistem até após o fim do tratamento oncológico.
O paciente oncológico pode ter sua fadiga
atribuída à diversas causas: estado hipermetabólico associado com o crescimento
tumoral, competição entre o organismo e o tumor por nutrientes, efeitos deletérios
da quimioterapia e da radioterapia, ingesta nutricional inadequada associada a
náusea e vômitos decorrentes da terapêutica antineoplásica, anemia, distúrbio
do sono e a incerteza e medo quanto ao futuro e a morte. Pegorare (2014), verificou em seu trabalho que as pacientes submetidas à tratamento quimioterápico
foram mais acometidas pela fadiga do que aquelas em tratamento radioterápico. Machado (2008) evidenciou em seu
trabalho a fadiga secundária à quimioterapia causando importante impacto na
qualidade de vida de pacientes oncológicos.
A partir da cinesioterapia podemos proporcionar mobilidade,
flexibilidade, coordenação, aumento da forca muscular e resistência à fadiga
(FLORENTINO, 2012). Lupion (2014),
realizou uma revisão sistemática afim de analisar os efeitos de um programa de
treinamento físico em pacientes com câncer de pulmão. Finalizando com 26
artigos para análise, o tempo de intervenção dos estudos analisados variou de
uma a doze semanas, e a duração, de acordo com a tolerância do paciente,
podendo durar até 3 horas por sessão. A intensidade do treinamento variou de 60
a 80% da capacidade máxima do paciente, e a frequência, desde todos os dias até
duas vezes na semana. Em relação ao tipo de exercício, os trabalhos analisados
utilizaram predominantemente o exercício aeróbio, tanto em esteira quanto em
cicloergômetro. Alguns artigos também utilizaram treinamento de força muscular.
Para avaliação da fadiga foram utilizados questionários como o EORTC QLQ-C30 e o FACT- Fadigue Subscale. Alguns dos trabalhos indicavam que
programas de exercícios melhoram a qualidade de vida a partir da redução da
fadiga, redução da sensação de falta de ar, melhora da tolerância ao exercício
e da força muscular, melhorando a condição funcional e social do indivíduo. Porém,
ao final do estudo o autor relata que não se pode concluir o melhor protocolo
de treinamento para a prevenção e tratamento de pacientes portadores de câncer
de pulmão, pois os estudos são escassos, de baixa qualidade, metodologias e
desfechos muito diferentes e resultados contraditórios.
Moraes (2014), realizou uma revisão de
literatura verificando a viabilidade do treinamento físico, especificamente em
pacientes com diagnóstico prévio de câncer de cabeça e pescoço. Diferentes protocolos de exercícios foram
utilizados nos artigos analisados, entre eles; exercícios passivos com foco em
região proximal de membros superiores três vezes na semana por uma média de 97
dias, exercícios resistidos três vezes por semana durante 12 semanas com carga
aumentando gradativamente, exercícios ativos livres, alongamento, cuidados
posturais, fortalecimento muscular por um período de três meses após a
cirurgia, exercícios de grandes grupos musculares com faixa elástica duas vezes
por semana durante 12 semanas. Não foram citados em todos os artigos os métodos
de mensuração da fadiga, mas entre os citados podemos destacar a escala FACT-An (Functional Assessment of Cancer
Therapy-Anemia). Ao final, selecionados 10 artigos, foi possível notar
melhora na qualidade de vida, força muscular, massa corporal magra, diminuição
de dor e da fadiga. São dados bastante promissores, entretanto, o pequeno
número de artigos encontrados impossibilita afirmações serem efetuadas sobre o
assunto.
A área
oncológica que atualmente mais aborda a fadiga é o câncer de mama. Battaglini (2004) realizou um estudo
objetivando relacionar as adaptações fisiológicas proporcionadas pela atividade
física e os níveis de fadiga em pacientes com câncer. Assim, foram utilizados
27 pacientes diagnosticados com câncer e que participavam de tratamento
de quimioterapia, de radiação ou de uma combinação desses dois tipos de tratamentos.
Todos os pacientes participaram de duas avaliações físicas: uma antes do início
do programa de exercícios físicos e outra, seis meses após. Nos dias das
avaliações físicas os pacientes responderam ao questionário de escala de fadiga
de Piper et al. Essa escala é uma das mais utilizadas quando se aborda a
fadiga, e tem 22 itens auto-relatados que medem o nível de fadiga genérica numa
escala de 0 a 10, bem como quatro domínios de fadiga subjetiva: afetiva,
sensorial, cognitiva e comportamental, permitindo uma pontuação de fadiga
total. Apesar de a melhora na aptidão física dos pacientes com câncer não ter
apresentado correlação significativa com a redução da fadiga, a relação entre a
melhora do condicionamento físico geral em pacientes com câncer mostrou um
padrão positivo e linear. Em 2006, esse mesmo autor realizou
outro estudo com o objetivo de examinar os efeitos de um programa de
prescrição de exercício físico individualizado, com ênfase no treinamento
resistido, na força muscular e nos níveis de fadiga em pacientes portadoras de
câncer de mama em tratamento. Vinte mulheres foram divididas aleatoriamente em
dois grupos, sendo um experimental e um controle. O grupo experimental exercitou-se,
após a cirurgia, durante 60 minutos, de forma moderada, duas vezes por semana,
durante 21 semanas. A força muscular total foi avaliada antes e após o
tratamento e os níveis de fadiga foram avaliados a partir da Escala de Fadiga
Revisada de Piper et al. (PFS) em três momentos durante o treinamento. Os
níveis de fadiga diminuíram significativamente entre os grupos após a primeira
e a segunda intervenção e ao final do tratamento, sugerindo que os exercícios
resistidos devem ser incluídos na prescrição de exercícios no combate da fadiga
e na melhoria da força muscular em mulheres com câncer de mama, submetidas a
tratamento.
Considerando
a definição de fadiga oncológica no início do texto podemos perceber que a
mesma não é identificada a partir de um só fator, e sim de um conjunto de
sinais e sintomas. A partir da minha experiência clínica percebo que a fadiga
oncológica muitas vezes (reforço o ‘muitas vezes’, e não ‘sempre’) vem
disfarçada de outros sinais e sintomas e acaba dificultando sua identificação.
Isso acontece principalmente quando a evolução da doença está sendo retardada
pelo tratamento oncológico, mas não podemos esquecer o que já foi dito nesse
texto: essa fadiga vem comumente acompanhada de outros sinais e sintomas. Muitas
vezes o paciente continua conseguindo realizar exercícios com a caneleira de 2
ou 3 kg que vinha utilizando nos últimos tempos, porém mesmo mantendo sua força
muscular grau 5, se cansa fácil, precisa de mais e maiores pausas, e não saber
identificar o foco da sua fadiga, se é muscular, respiratória. O paciente
comumente se sente sempre indisposto, com sono, desanimado.
É
muito importante sabermos diferenciar e identificar a fadiga oncológica.
Primeiramente para alinharmos os objetivos e condutas da nossa terapia frente à
essa condição clínica do paciente, já que essa fadiga envolve muitos fatores e
não só um cansaço físico, sendo assim benéfico a intervenção de uma equipe
multiprofissional. Aqui vimos estudos mostrando que o exercício físico pode
ajudar na fadiga oncológica e nós, fisioterapeutas jamais duvidaremos disso,
certo? Porém é importante lembrarmos que o paciente oncológico pode ter outras
especificidades, pode ter sua doença ativa, em evolução e consequentemente já
ter um gasto energético intrínseco importante, e por isso pode nem sempre responder
à terapia como por exemplo, um paciente cardiológico em reabilitação. Além
disso, em casos oncológicos avançados e principalmente em cuidados paliativos
não podemos esquecer que o objetivo da nossa terapia também deve acompanhar e
respeitar o momento da doença e do paciente. Desse modo, em alguns casos não
teremos mais necessariamente o foco na ‘reabilitação’, e sim, com objetivos
simples e à curto prazo, pensaremos mais em uma funcionalidade básica e à nível
da capacidade do paciente, em retardar sintomas e gerar conforto para a melhor
qualidade de vida e de morte possível.
Lívia Ribeiro Zalaf
Fisioterapeuta do Hospital São José (Hospital
Beneficência Portuguesa de São Paulo)
Especialista em Fisioterapia em Oncologia pela
UNIFESP (2015)
Fisioterapeuta formada na Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP/2012)
Contato: lizalaf@gmail.com
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