Mais uma vez, a convidada de hoje é a Bianca Orestes, que foi Fisioterapeuta Residente do Programa de Urgência e Emergência da Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar da UNIFESP. Hoje, é Fisioterapeuta no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Por Bianca Orestes.
Hoje iremos iniciar o processo de discussão e reflexão sobre um tema
muito polêmico ou até mesmo desconhecido para muitos: A Extubação paliativa ou
Assistida.
A discussão é recente no Brasil, por existir um
despreparo para esta questão, para isso, iremos refletir sobre doenças crônicas
incuráveis, princípios éticos, legais, decisão compartilhada e vida sem
sofrimento nos últimos dias de vida.
A polêmica deste assunto está presente diariamente na rotina
hospitalar. De acordo com dados da OMS (2002), 33 milhões de 57 milhões de
pessoas que morrem, são necessitadas de cuidados paliativos por serem acometidas
por doenças crônicas incuráveis, ou seja, tendemos a vivenciar cada vez mais
este quadro, pois se estima que em 2030, 15 milhões de novos casos/ano, apenas
oncológicos irão necessitar de assistência paliativa.
Devemos praticar um cuidado que subestime o conforto do
paciente, impondo-lhe uma longa e sofrida agonia? Podemos repensar sobre
aliviar frequentemente e confortar sempre como uma conduta diária para estes
pacientes?
Colocar em pauta a Extubação Paliativa é uma forma de
repensar que o cuidado paliativo não está em suas condições ideais, pois se
presume que não exista o diagnóstico precoce para o cuidado paliativo, condutas
de final de vida e decisão compartilhada com o paciente e familiares para uma
melhor aceitação da inevitabilidade da morte.
A manutenção artificial da vida nas UTIs, como a Ventilação
Mecânica, na grande maioria dos casos, em que os doentes já não apresentam mais
qualquer possibilidade de cura, transformou-se na extensão sem sentido do
processo de morte (Distanásia), propondo tratamentos fúteis e dolorosos para
que sobrevivam à custa de um sofrimento desnecessário.
Um estudo publicado na Critical
Care em 2010, realizado em 12 UTIs constatou que 81% das famílias de
pacientes inconscientes e fase de final de vida, internados na UTI gostariam
que os médicos discutissem a possibilidade de retirada da ventilação mecânica.
E a ética? E os aspectos legais? Primeiramente é importante
ressaltar que resoluções e atribuições legais dizem respeito à Ortotanásia (morte
natural), nada tem a ver com Eutanásia (boa morte, não legalizada no Brasil) e
constitui um alerta contra distanásia (adiar a morte), ou seja, não acarreta
violação a nenhum dispositivo legal, não representando uma prática de qualquer
conduta criminosa. Assim a Ortotanásia (não prolongar de forma sofrida) traz
uma condição mais natural para o enfrentamento, principalmente familiar.
Alguns aspectos legais estão envolvidos nesse processo:
- Resolução CFM nº 1.805/2006 que respalda a suspensão de tratamentos fúteis para a vida do doente em fase terminal de enfermidade incurável, com condutas aceitas pelo paciente ou seu representante legal;
- Código de Ética Médica (2009) que propicia o médico realizar o cuidado paliativo apropriado para o mesmo paciente, omissão terapêutica ou interrupção do procedimento artificial que não viola o Código Penal (não matarás), que coloca esta prática fora do homicídio;
- Constituição Federal que assume dignidade humana em primeiro lugar e morte digna como discute o artigo da New England Jounal of Medicine (2014), que propõe morrer com dignidade nas UTIs estão alinhadas com a retirada do suporte de vida. Além disso, temos os princípios éticos: Autonomia (paciente consente as condutas), Não maleficência (evitar o sofrimento), Beneficência (fazer o bem sem preservar a vida a qualquer custo) e Justiça (a ciência não pode evitar a morte) encaixam perfeitamente neste contexto.
Resumindo, aparelhos de suporte de vida, como a VM, são
mantidos, nos casos de doenças incuráveis, não para evitar a morte, e sim para
manter a vida artificialmente, sua Retirada faz parte da transição para
cuidados de conforto e há uma satisfação familiar e diminuição da depressão no
luto.
E a Fisioterapia? Estamos em todas as etapas. Somos
profissionais, como todos os outros, que diante desta situação (Extubação
Paliativa), sentimos insegurança e medo, afinal, e todo o protocolo de retirada
da VM?A maioria destes pacientes não preencherá critérios e teremos que estar
preparados e alinhados com a equipe e família para que sejam estabelecidos
objetivos mesmo que sejam pacientes terminais.
A medicação adequada, o controle de sintomas, o local
tranquilo, a preparação dos familiares e equipe é imprescindível. O resultado
que temos encontrado no nosso serviço: Dignidade de morte, aparência natural, alívio
do sofrimento de uma invasão (cânula orotraqueal), as aspirações intermináveis,
entre outros argumentos e fatos que irão propiciar algumas vezes uma
comunicação de fim de vida, um suspiro natural, qualidade de vida para a morte.
Nosso cotidiano necessitaria de um protocolo de cuidados
paliativos e fim de vida, discutido, entre outros protocolos de UTI, em um
artigo da Critical Care (2012), porém
com o alerta da individualidade, juízo profissional e observação para os
pacientes que não se adequam ao recurso.
As evidências aumentam , a revista JOURNAL OF PALLIATIVE
MEDICINE, publicou um estudo coorte com 322 pacientes com indicação de retirada
de ventilação mecânica, porém extubação paliativa de 159, com doenças crônicas
incuráveis (Doenças pulmonares, insuficientes cardíacos Classe III ou IV, HIV,
demência severa, doença hepática e renal no estágio final) e foi verificado que
a maioria após suspensão do suporte de vida não ultrapassou 10 horas chegando
ao máximo 165 horas de vida após extubação.
Angustiante? Alivio para o processo de morte inevitável.
É necessária uma reflexão para realizarmos com segurança
nossas condutas, afinal a maioria de nós está diariamente em hospitais. A pergunta
surge sem receio: como gostaríamos de passar nossos últimos dias de vida? Há
necessidade de vida vivida nos últimos dias de vida ou aumento dos dias de vida
sem ser vivida? Mantenho a palavra vida inúmeras vezes, mas reflitamos no final
sobre a vida sempre acompanhada da possibilidade de sua morte, com o presente luto,
porém, amenizado com condutas que possibilitem o reparo da agonia e sofrimento.
Vamos ao trabalho?
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Até a próxima.
Referências:
1. Finfer SR, Vincent J-L. Dying with Dignity in the Intensive Care Unit. N Engl J Med 2014;370:2506-14.
2. Huynh TN, Walling AM, Le TX, Kleerup EC, Liu H, Wenger NS. Factors Associated with Palliative Withdraw of Mechanical Ventilation and the Time to Death after Withdraw. J Palliat Med. 2013;16(11):1368-74.
3. Chang SY, Sevransky J, Martin GS. Protocol in the management of critical illness. Critical Care. 2012;16:306.
4. Fumis R, Deheinzelin D. Respiratory support withdrawal in intensive careunits: families, physicians and nurses views ontwo hypothetical clinical scenarios. Critical Care. 2010;14:235.